A história de um território não é a de um povo e da sua religião, a narrativa nacionalista e o sectarismo religioso levaram a destruições e à apropriação abusiva de patrimónios e espaços.
O surgimento de três religiões monoteístas no Médio Oriente, em épocas diferentes, provocou alterações no relacionamento comercial, cultural, competição teológica e bélica. Estas religiões têm enormes semelhanças, são estudadas pelo método analítico-comparativo.
O cristianismo, religião iniciática, penetrou na Ibéria a partir do séc. II a.C através de mercadores e marinheiros vindos do Mediterrâneo, soldados que percorriam as vias romanas, colonos das “villae” que se relacionavam com os locais. A diáspora judaica é anterior, sobre o Islão peninsular são raramente referidas as mobilidades de populações vindas do Magrebe antes de 711 quando o fenómeno do Islão não existia. Questiona-se como Tarik e Musa poderiam, com exércitos tão pequenos, conquistar a Península em cinco anos sem apoio das populações hispano-godas.
A nova religião, o cristianismo, incorporou tradições pagãs, promoveu a substituição das divindades locais por Santos, mártires canonizados, caso de Mâncio que residiu em Évora, desenvolveu o monaquismo, fomentou a catequese popular, decretou restrições ao uso do sagrado, leis condenatórias dos heréticos e de apropriação dos seus bens, dos desvios morais, como a magia e adivinhações, feitiçaria, maus olhados. Elucidativas são as posturas da CM de Lisboa de 1385, as decisões de D. João I proibindo prantos a mortos, as Janeiras e os Maios…
Paulo Orósio (395 d.C – 420 d.C), teólogo nascido em Braga, autor “Historiarum adversus paganus”, foi uma personalidade destacada do cristianismo peninsular. Elaborou uma História Universal cristã, divulgou a teoria dos quatro Impérios, Babilónia, Macedónia, Roma pagã e Cartago, segundo ele o quinto seria a Roma cristã. Próximo de Santo Agostinho viajou pelo Norte de África, teve influência na geografia histórica medieval.
A ocupação territorial e formação de reinos cristãos, como Portugal no século XII, ocorreu com o apoio das ordens religiosas militares, cruzados e milícias senhoriais. A luta pela reconquista de Jerusalém e dos lugares santos, pelo controlo da rota comercial de entrada dos produtos da China, da Índia e da Pérsia, mobilizou nove cruzadas entre 1096 e 1272, sempre derrotadas.
Incorporando crenças do mundo Antigo, pagão, helénico, hebraico e outras, o cristianismo foi uma revolução social, doutrina ecuménica contra a injustiça, a pobreza e a exclusão das mulheres, abalou as estruturas da ordem esclavagista. Multidões seguiram Jesus de Nazaré pela verdade e coragem das suas mensagens, seria o Messias que os hebreus esperavam.
Em 325 d.C., no primeiro Concílio Ecuménico em Niceia, actual Turquia, dirigido por Constantino reuniu 318 bispos, foi instituído o “credo niceno”, dogmas sobre a natureza divina de Jesus, a Encarnação, a Santíssima Trindade, a Igreja Santificada, a manutenção da Páscoa judaica.
Teodósio em 390 d.C decretou o cristianismo religião oficial do Império Romano, os bárbaros estavam já nas fronteiras, era necessário o apoio dos cristãos. Roma caiu em 476 d.C, o brilho de Constantinopla sobreviveu e permaneceu durante mil anos, o Império Romano do Oriente.
A Igreja investida de poderes temporais, aliada dos Imperadores, perseguiu as heresias cristãs, como os gnósticos, corrente filosófica dos séculos I e II ligada aos cultos e mistérios greco-romanos, os arianistas anti-nicénicos seguidores de Ário diácono de Alexandria, para quem Cristo era filho de Deus, mas não o próprio Deus, os priscilianos que influenciaram as ordens monásticas medievais, permitiam a presença de mulheres e eram contra a opulência da igreja.
Em 1940 foram descobertos os “Manuscritos do Mar Morto” (séc. II a.C a I d.C), uma Bíblia hebraica e outros textos dos Essénios, seita judaica messiânica, mas logo ocorreu outra extraordinária descoberta, despertam hoje a investigação e também a ficção.
Em 1945 nas montanhas de Luxor, camponeses egípcios encontraram numa gruta treze livros em copta, papiros encadernados a couro, a biblioteca de Nag Hammadi. Depositados no Museu Copta do Cairo, foram datados com carbono 14, analisados por filólogos e outros especialistas.
Eram cópias dos evangelhos apócrifos gnósticos do século IV, de Tomé e Filipe, da Verdade, o Evangelho aos egípcios, extractos da “República” de Platão. O Evangelho de Maria Madalena relata a presença da mulher na vida de Jesus de Nazaré, a interdição dos textos da evangelista poderá explicar, como a transmissão de bens, causas do “cristianismo masculino” e do celibato.
Com o poder temporal e a partir do século IV, a Igreja transformou-se no mais poderoso pilar da ordem feudal na Europa, as normas pós-Niceia baniram a heterodoxia do cristianismo original.
A história dos séculos I a IV d.C ou “primeiro cristianismo”, a vida de Jesus histórico, a herança da tradição oral, os evangelhos apócrifos, analise filológica de documentos, continua em aberto, o estudo desse período na Península e em Portugal é ainda pouco esclarecedor.
O cristianismo teve e tem grande influência na cultura portuguesa, mas no estudo não podemos excluir os contributos do paganismo, do judaísmo, do Islão e outros, patrimónios do País.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia