“Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza”
“Natal dos simples”, canção de José Afonso.
As festividades cíclicas, como sugere o nome, estão relacionadas com os ciclos da natureza tendo como marcadores temporais os equinócios e solstícios, relacionados com a inclinação e incidência dos raios solares nas várias zonas do planeta.
Regiões existem, equatoriais e tropicais, cujas variações se resumem a duas grandes épocas, de calor intenso e chuvas abundantes, outra de temperaturas amenas, menor humidade e algum frio. As regiões polares têm invernos longos e temperaturas extremamente baixas.
A natureza determina os diferentes comportamentos das comunidades humanas, por essa razão a diversidade cultural é tão importante como a biodiversidade.
O clima mediterrânico semelhante ao das regiões subtropicais, define quatro estações do ano, os trabalhos agrícolas, sementeiras e colheitas, também os produtos e festividades, os pratos celebram e constituem a cozinha festiva. A alimentação é profundamente cultural.
As festas do solstício de Inverno têm origem pagã, as civilizações mediterrânicas celebram-nas, durante o Império Romano eram as Saturnalias que duravam até 25 de Dezembro. Tiveram continuidade nas religiões construídas na bacia mediterrânica, judaísmo, cristianismo e islamismo, com muito em comum entre elas apesar do aparente antagonismo .
O Natal é a principal festividade do cristianismo, pré-anunciado em vários rituais que antecedem a data convencionada para o nascimento de Jesus Cristo. No caso do Algarve em diversas zonas se “monta o altarinho” dedicado ao Deus-Menino, colocam-se em vasos os grãos que se transformarão em “searinhas”, se estas florescerem viçosas haverá bom ano e abundância de produtos. Em muitos lugares fazem-se presépios, algumas instituições e artistas conseguem nesta época do ano, criar verdadeiras obras de arte popular.
Em aldeias portuguesas o lenho ou “madeiro” de Natal é recolhido pelos jovens da terra a 7 de Dezembro, a sua colocação no adro da Igreja ou na praça pública faz parte dos rituais pré-natalícios, as lenhas começam a arder dois dias antes do Natal, ficam para aquecer os que delas se aproximam até ao dia dos Reis. Também se assam alimentos, enchidos, castanhas,… No nordeste transmontano acontecem as “festas dos rapazes”, os “caretos”.
O jejum integra as tradições mediterrânicas sendo a ceia do Natal cristão realizada com a família após a missa do galo na noite de 24 de Dezembro. A cozinha do período de Natal privilegia as sopas quentes, canjas, bacalhau, couves, legumes e batatas cozidas, polvo e aves de capoeira, a tradição do peru assado foi introduzida no século XVI com as viagens às Américas. Existe grande variedade de doçaria de Natal (rabanadas, filhoses, bolo rei, morgado, aletria…)
A transição entre o Natal e o Dia de Reis (6 de Janeiro) é celebrada com as “Janeiras”, os “reiseiros” no norte, a tradição algarvia neste período são “charolas”, grupos musicais que percorrem ruas e praças.
A relação equilibrada entre o homem e a natureza é a base que estrutura as festividades cíclicas, as mensagens simbólicas e celebrações colectivas. Estas têm vindo a ser quebradas e substituídas ao longo do século XX, consequência de alterações demográficas, mobilidades, industrialização e urbanização, mas sobretudo pelos valores introduzidos por um modelo económico que estimula estilos de vida consumistas em grande escala, pondo em causa a sustentabilidade dos territórios.
Convivemos hoje com uma panóplia de “eventos” artificiais, alguns hipoteticamente natalícios, inventados ou importados, que correspondem a objectivos e interesses meramente mercantis. Aparecem sob a capa de modernidade evoluída, mas pouco têm a ver com o uso correcto dos recursos naturais, com o património espiritual das comunidades.
A situação de emergência ambiental irá obrigar à mudança de paradigma, ao regresso aos valores do humanismo e de respeito pelas forças determinantes da natureza.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico