No século XX a investigação nas ciências sociais recebeu influências de diversas correntes do pensamento científico, evidente foi o contributo inovador dos Annales que questionou a abordagem tradicional, disciplinar e autoral, com novas formas de analisar o processo histórico, revolucionou e integrou abordagens pluridisciplinares.
História e geografia foram particularmente tocadas pela escola francesa.
Fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch, docentes na Universidade de Estrasburgo, a revista “Annales d’histoire économique et sociale” transformou-se numa referência internacional do conhecimento, divulgação e recensões bibliográficas. Na mesma época surgiu em França o Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS (1936) e foi criado o Museu do Homem (1938) reestruturado em 2015.

Sociólogo
Nas últimas décadas surgiram teorizações de uma contemporaneidade sem passado, o virtual, indústrias culturais, subjectividades conceptuais, dogmas da inovação…
As ciências da cultura desenvolveram-se num período conturbado da história da Europa, com a ascensão de nacionalismos no século XIX, o nacional-socialismo na Alemanha e o fascismo em Itália no século XX, originaram duas guerras mundiais. Bertold Brecht escreveu “não há dúvida vivemos na era das trevas”.
Marc Bloch, membro da resistência antinazi francesa, foi preso, torturado e fuzilado pela Gestapo em 1944, Febvre deu continuidade entre 1940 e 1950 ao trabalho conjunto.
Na segunda geração dos Annales (1946-68) destacou-se Fernand Braudel, também detido pelos alemães durante anos. Dado que era permitido aos oficiais estudar, escreveu na prisão “O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II”, incontornável para compreensão das civilizações mediterrânicas, da modernidade e da emergência do capitalismo monopolista que substituiu a economia de mercado dos séculos anteriores.
A terceira geração (1968-89) desenvolveu a “Nova História”, destes cientistas sociais destacaram-se Jacques Le Goff e Pierre Nora. A actividade humana constitui a própria história, abriram campos de investigação às estruturas mentais, família, género, livro, …
A metodologia dos Annales considera pluralidade e simultaneidade dos tempos históricos.
A “longa duração” com influência do espaço físico e do clima, designada por Geohistória, é um tempo quase imóvel que percorre os séculos, encontramo-la nos comportamentos e linguagens do quotidiano, em muitas expressões culturais actuais.
Em simultâneo há o “tempo conjuntural”, o da formação dos Estados, do desenvolvimento das cidades… ocorrem ainda “acontecimentos breves” ou a “curta duração”, uma história descritiva tradicional, factos do quotidiano, batalhas, elites, figuras.
A Geografia Humana em Portugal recebeu esta metodologia e usou-a na interpretação física, ambiental, histórica, económica, social e cultural dos territórios.
Orlando Ribeiro estudou na Sorbonne, foi leitor de Estudos Portugueses entre 1937 e 1940, trabalhou com Marc Bloch, medievalista, o climatólogo Emmanuel de Martonne, entre outros. Em Portugal foi discípulo de José Leite de Vasconcelos, médico, investigador, pioneiro de diversas dimensões da cultura portuguesa.
Após doutorar-se em 1936, Orlando Ribeiro (1911-1997) aplicou a multidisciplinaridade ao estudo da realidade portuguesa, o homem surge como elemento activo e transformador da paisagem. Em 1943 publicou “Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico”, obra relevante para a história cultural portuguesa no século XX, adoptando o sistema analítico dos Annales.
A partir do relevo definiu duas áreas distintas separadas pelo Tejo, o oceano como regulador do clima, a sul as terras baixas com altitudes inferiores a 200 metros, clima semelhante ao da bacia mediterrânica, agricultura extensiva e campesinato, a norte as regiões montanhosas com tradição na transumância, de pequena propriedade familiar.
Em “Geografia e Civilização” (1961), apresentou da construção uma análise dual, a Norte a “civilização da pedra ou do granito” e a Sul a “do barro”. Verificamos existir por todo o sul, na serra algarvia e no barrocal, edificados em pedra, muros de demarcação de terrenos e caminhos, uso da proximidade, mais económicos e de fácil transporte, fundamentos da arquitectura popular. A obra indicia ainda a hipótese da influência das navegações dos portugueses pelo mundo, analisando tipologias construtivas observadas na Índia e China, telhados múltiplos inclinados de tesouro em Tavira e as açoteias de Olhão.
Em “Introduções Geográficas à História de Portugal” (1977) desenvolveu o estudo crítico ao pensamento e obras de Oliveira Martins, Jaime Cortesão e António Sérgio. Em 1943 Orlando Ribeiro fundou o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, que continua em actividade, influenciou novas gerações de geógrafos e reforçou a interdisciplinaridade.
Nas últimas décadas surgiram teorizações de uma contemporaneidade sem passado, o virtual, indústrias culturais, subjectividades conceptuais, dogmas da inovação…
A natureza determina hoje como há milénios, a longa duração é herança cultural.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: A cultura medieval portuguesa: moçárabes, visigodos, muçulmanos e francos…