“Sois portugueses, rapazes?
Não, nosso Rei, somos da Póvoa do Varzim”.
In a “A Póvoa de Varzim e os seus pescadores” de António dos Santos Graça, diálogo no alto mar do Rei D. Luis com pescadores poveiros (sec. XIX).
O que é a identidade?
A identidade tem associada a individualidade e a colectividade, sentimentos pertença.
Após a queda do Estado Novo em Abril de 1974 o debate sobre a identidade nacional ganhou maior actualidade, consequência das descolonizações, da integração do País em 1986 num espaço económico supranacional, a CEE, com um projecto de nova soberania gradual, substitutiva dos Estados nacionais em importantes funções e uma nova identidade colectiva.
Em 1951 Salazar revogou o Acto Colonial surgiu o “Ultramar”, nos anos 50/60 do século XX nas escolas primárias aprendia-se que Portugal era um País “pluricontinental e multirracial”.
Ao longo da história, Portugal teve várias identidades territoriais reflectidas nos títulos de reis por vontade divina. Encontramos uma identidade inicial instituída por D. Afonso Henriques, a “Dei Gratiae, Rex Portugalensium” isto é “rei dos portugueses pela graça de Deus”. A titulação ibérica de Afonso V o Africano resulta da autoproclamação do seu casamento com Joana de Trastâmara, herdeira legítima da coroa de Castela, “pela Graça de Deus, Rei de Castela, de Leão, de Portugal, de Toledo, de Galiza, de Sevilha, de Córdova, de Jaén, de Múrcia, dos Algarves d’Aquém e d’Além Mar em África, de Gibraltar, de Algeciras, e Senhor da Biscaia…”, contudo a identidade ibérica nunca foi aglutinadora, dada a pluralidade de nações, idiomas e tradições.
Se a definição identitária fosse apenas geográfica tudo estaria clarificado, o território continental e os arquipélagos da Madeira e Açores são envolvidos pelo mesmo oceano, Portugal seria um País com “identidade atlântica”. Mas a questão tem outra dimensão importante, a cultural,
Quais os fundamentos da identidade “atlântica”, um oceano que possui 1/5 da área do planeta, se estende pelos hemisférios norte e sul, por várias latitudes com climas polares, temperados, equatoriais, tropicais, populações de distintas etnias, idiomas e diferentes tradições culturais?
O termo “Atlântico” tem origem na mitologia grega, Atlas ou Atlante era o Deus que segurava as colunas dos céus e do mundo. Heródoto no séc. V a.C referiu que os gregos estavam convencidos que o Atlântico era um rio enorme que envolvia todo o continente. Europa era uma filha do rei da Fenícia raptada por um touro, Zeus disfarçado que a levou para Creta…
Na origem remota do “atlantismo político” está a conquista de Lisboa aos mouros em 1147 com ajuda de cruzados ingleses em viagem para a Terra Santa, posteriormente o Tratado de Windsor de 1383 com a Inglaterra, aliança eventualmente protectora de pretensões do vizinho ibérico.
A partir dos séculos XV e XVI houve uma evolução nos conceitos de identidade, permaneceu o cultural. A mediterraneidade, na origem do cristianismo, judaísmo e islão, com múltiplas dimensões regionais, é a principal razão da continuidade da cultura portuguesa.
Ao analisarmos os elementos da cultura nacional, verificamos a existência de um território soberano, populações falando uma língua comum derivada do latim vulgar com milhares de vocábulos de outras origens, nomeadamente cerca quatro mil palavras de matriz árabe, valores espirituais ancestrais, formas de vida comunitária e manifestações religiosas, modelos de agricultura, rituais festivos acompanhando os ciclos da natureza, culturas piscatórias, pecuária e transumâncias, urbanismo e formas de habitar adaptadas aos solos e clima, alimentação e cozinha do quotidiano com características comuns a outras regiões da bacia mediterrânica…
A visão dogmático-religiosa alterou a História construindo realidades míticas, ficcionais e parcelares, a identidade colectiva apresenta dimensões, geográficas, históricas, políticas, culturais… A identidade enquanto instrumento político-económico altera-se com as conjunturas.
O “Portugal europeu” dos discursos políticos resulta da integração na EU, mas o espaço europeu é heterogéneo do ponto de vista social, linguístico, religioso,… O actual conceito de Europa é uma construção ideológica em mutação, não inclui metade dos cidadãos do continente.
Tal como no Império Romano permanece a (di)visão entre Ocidente e Oriente.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia