Os enfermeiros são um elemento crucial para o funcionamento contínuo do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, apesar da sua importância no sistema, continuam a enfrentar diversos obstáculos que condicionam o exercício das suas funções. O aumento da idade da reforma, os salários congelados, a lentidão na progressão de carreira e as más condições de trabalho são alguns dos desafios que a maioria dos enfermeiros em Portugal enfrenta no seu dia a dia.
Esta continua a ser uma profissão que não é devidamente valorizada e reconhecida no nosso país, como relata Telma Cruz, enfermeira especialista em saúde comunitária: “Sentimos que as pessoas não nos reconhecem como profissionais com credibilidade científica. Notamos que, muitas vezes, ainda duvidam daquilo que dizemos”.
Durante a pandemia de Covid-19, os profissionais de saúde foram repetidamente aplaudidos pelo seu trabalho e foram protagonistas de inúmeras publicações que destacavam o seu esforço e dedicação. “A saúde foi o único setor que se manteve sempre a funcionar. O país parou, mas nós não. Continuámos a trabalhar com muita exigência”, refere a enfermeira. No entanto, os profissionais de saúde são frequentemente alvo de agressões físicas e verbais no local de trabalho. O número destes incidentes tem vindo a aumentar, criando um ambiente de insegurança e medo entre os profissionais. Segundo dados da Ordem dos Enfermeiros, este continua a ser o grupo profissional que mais sofre com este tipo de agressões, precisamente por ser o que está em contacto direto e permanente com os utentes e familiares. “Víamos publicações em que as pessoas agradeciam e batiam palmas. Hoje em dia, se for preciso, batem-nos a nós”, lamenta Telma.

Cada vez mais, os enfermeiros denunciam e protestam contra a falta de medidas que possam prevenir estes incidentes e garantir a sua segurança enquanto prestam cuidados de saúde.
A estagnação da carreira e os salários com aumentos pequenos e demorados são problemas constantes na vida destes profissionais. Estes fatores afetam tanto a qualidade dos cuidados prestados como a saúde mental dos enfermeiros, podendo levar a situações de esgotamento. “Em termos de salários, não somos devidamente remunerados. Existem muitas profissões técnicas superiores que começam com salários muito mais altos do que os nossos. Temos uma carreira muito parada, mal paga e com aumentos muito pequenos”, relata Telma.
Além da saúde mental fragilizada, os enfermeiros enfrentam doenças profissionais, ou seja, problemas de saúde a que estão expostos a longo prazo, como dores de coluna e desgaste físico. “Não faz qualquer sentido estarmos a trabalhar com 67 ou 68 anos, porque as incapacidades começam a aumentar, os problemas de saúde surgem e a margem de erro é muito maior, o que põe em causa a segurança e a saúde dos doentes”, afirma Nuno Oliveira, enfermeiro e dirigente do Sindicato dos Enfermeiros, que exerce funções na Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos, no Centro de Saúde de Tavira.
Atualmente, a idade da reforma para estes profissionais ronda os 68 anos. “Espero que seja reconhecida como profissão de risco, porque nós somos uma profissão de risco. Lidamos com pessoas doentes, em situação de fragilidade e, muitas vezes, temos de as substituir naquilo que não conseguem fazer. É muito complicado trabalhar até tão tarde com todo o peso que temos em cima”, sublinha Telma.
A enfermeira, além de se ter licenciado em Enfermagem, também concluiu uma especialização e um mestrado. No entanto, em Portugal, ao contrário de outros países europeus, estas qualificações não são reconhecidas. “Nós não somos valorizados pelos cursos que temos. Tenho o curso-base, que todos temos de ter, já fiz especialização e mestrado, mas continuo a ser uma simples enfermeira porque aqui não me reconhecem nada disso. Se fosse trabalhar para outro país europeu, automaticamente subiria na minha carreira. Aqui, não”, desabafa.

As más condições de trabalho e a escassez de materiais e equipamentos são outros fatores apontados pelos enfermeiros como limitações ao seu trabalho. “Tem de haver condições para as pessoas trabalharem, tem de haver instalações adequadas e equipamentos necessários”, defende Nuno Oliveira.
Os enfermeiros no Algarve
O Algarve, sendo um dos principais destinos turísticos do país, vê a sua população triplicar ou até quadruplicar durante os meses de verão, entre junho e setembro. Com este aumento significativo de visitantes, os serviços de saúde enfrentam uma pressão enorme, com os enfermeiros a alertarem para a sobrecarga de trabalho e a falta de recursos humanos.
“Há muito mais volume de trabalho para o mesmo número de enfermeiros, ou até para menos, porque também estamos de férias. Acabamos por ter de trabalhar muitas horas extras, além do horário legal”, explica Telma.
O Sindicato dos Enfermeiros e a luta pelos seus direitos
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) tem um papel ativo na defesa dos direitos dos enfermeiros e na luta por melhores condições de trabalho. “O SEP tem travado lutas e feito exigências a nível nacional, junto do Ministério da Saúde e das instituições locais, para que sejam reconhecidos: os mesmos dias de férias, a progressão na carreira, a redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas semanais, e o direito das jovens mães a horários flexíveis”, declara Nuno Oliveira, dirigente do SEP.
“É através das nossas lutas que vamos conquistando algumas coisas, nomeadamente com greves. Até meados dos anos 90, os enfermeiros faziam greve, prestavam os cuidados mínimos e não recebiam nada. Não podemos abandonar o serviço e temos de prestar os cuidados essenciais, ou seja, aqueles que garantem a vida e a integridade física do doente. Só a partir de meados dos anos 90 é que os enfermeiros começaram a ser pagos por essas horas de cuidados mínimos durante as greves. Foi uma grande luta e uma das nossas maiores conquistas”, conclui.
- Por Marta Santos e Henrique Dias Freire
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