A fábrica de conservas de sardinha, farinha e óleo de peixe de Peniche, situa-se no sítio de Peniche de Cima, freguesia de N. S.ra da Ajuda, Peniche, distrito de Leiria, tendo concessão de alvará n.º 1.074 de 30-5-1923. Construída num terreno com 30.000 m², foi inaugurada em 1915, mas apenas começou a laborar em 1916, conforme referido numa memória descritiva e justificativa da Direcção-Geral dos Serviços Industriais – 1ª Repartição – 3ª Secção em 25-2-1959, dizendo que «a laboração desta instituição data de 1916, ano em que se iniciou a exploração da indústria de conservas de peixe, e tal como está, tem sido exercida sem interrupções, até à presente data (…)».1
Em 1916, a fábrica Júdice Fialho de Peniche, era composta por vários edifícios: escritório, oficina de descabeçar, casa de enlatar, enxugue, casa do sal, casa das caldeiras, armazém do carvão, entre outros; máquinas e equipamentos diversos e todas as casas anexas à fábrica – o Bairro do Fialho.
Esta unidade fabril destinava-se a conservas de sardinha, farinha e óleo de peixe, sendo provavelmente a maior fábrica de conservas do grupo empresarial, pois tinha os edifícios, máquinas e todas as habitações anexas (como as casas dos operários), fixados pelo seguro efetuado a 18-1-1935, no valor de 500 contos para as máquinas e 1500 contos para os edifícios, e do aditamento do seguro de 14-8-1937, onde se adicionam todas as construções do Bairro Fialho (composto por 1 armazém de 4 divisões com a superfície de 368 m2 e 10 habitações anexas, com 31 divisões e superfície coberta de 210 m2).2
As habitações de pedra e cal, cobertas de telhas do Bairro Fialho (hoje desaparecido), foram construídas junto à fábrica por um empreiteiro espanhol, e distribuídas a título gratuito para alojar os operários, assegurando a mão-de-obra para as várias tarefas na fábrica em regime contínuo, no sector da indústria conserveira, como no sector da pesca do cerco.3
Para a sua atividade e laboração, Júdice Fialho, mandou vir no navio motor Fadista, operários especializados da indústria pesqueira e conserveira da província do Algarve. De seguida manda construir ao calafate Carlos Domingos da Costa, 4 barcos a veta ou a remos com 13 metros com os nomes de Berlenga, Farilhão, Estela e Forcada (depois denominado Caprichosa), construindo posteriormente outras unidades como a Maria João, Portimão I, Portimão II e Ricardina. Todas estas embarcações tinham características idênticas, como seja: serem pintadas de negro; entre a linha de água e o verdugo da proa tinham como distintivo um trevo de quatro folhas, pintado de branco, bem como o número de registos no talabardo da frente.
Além dos barcos matriculados ao serviço da fábrica de Peniche (em 1927), temos conhecimento de várias barcas para transporte e serviço de descarga de pescado, como sejam: Nadir, Alice e Restaurador, barcas das antigas armações: Neptune, Saldanha, Relâmpago e S. Lucas e a armação à valenciana denominada Foz (em 20-4-1927).
Em 20-6-1922, era emitido o boletim de registo industrial da fábrica de conservas, n.º 3033, pertencente a J. A. Júdice Fialho, na freguesia de N. S.ra da Ajuda, concelho de Peniche, pela 3ª Circunscrição Industrial do Ministério do Trabalho; e em 26-4-1923, a empresa era notificada das condições de concessão de alvará para a sua fábrica.
Em 28-1-1928, era certificada uma das caldeiras da fábrica de Peniche pela 3ª Circunscrição Industrial, com capacidade de 10.000 m3, incluindo ebulidores, com uma superfície de aquecimento de 90 m2 e uma superfície de grelha de 2,60 m2.4
Em 25-11-1931, esta fábrica de Peniche recebe a visita de António Oliveira Salazar, conforme notícia do Diário da Manhã de 26-11-1931 «O sr. ministro das Finanças, acompanhado pelo sr. Leal Marques, seu chefe de gabinete, visitou ontem [25-11-1931] em Peniche as fábricas de conservas Fialho, Benito Garcia e D. Paloma, informando-se das condições em que vive a indústria das conservas de peixe. Visitou também as barracas onde vivem os pescadores e as casas de habitação que os industriais de conservas fornecem aos seus operários, impressionando-o vivamente os alojamentos destes humildes operários. O sr. ministro que tomou bastantes notas, regressou a Lisboa pelas 17 horas (…)».5
Na vistoria realizada à fábrica de Peniche pela Inspeção Geral de Fiscalização do Consórcio Português de Conservas de Sardinha a 17-2-1933, constavam 2 caldeiras a vapor (1 João Perez e 1 da Empresa Industrial Portuguesa), 3 cofres-estufas simples (2 simples de ferro com 1m,25 x 1m,25 x 1m,48 e 1 tríplice para esterilizar lata de 3m,63 x 1m,25 x 2m,06) e 6 cravadeiras (5 de sistema Matador da fábrica Vulcano e 1 automática sem nome para lata redonda). As áreas calculadas para esta fábrica nessa vistoria eram em solo coberto de 5.600 m2 e terreno livre 7.000 m2. Produzia 22.285 caixas com o peso líquido de 534.840 kl em 1929, 11.053 caixas com o peso líquido de 265.272 kl em 1930, 9.382 caixas com o peso líquido de 22.168 kl em 1931, 17.865 caixas com o peso líquido de 428.760 kl em 1932, no total de 60.585 caixas e peso líquido de 1.454.040 kl entre 1929-1934.6
Fernando Engenheiro, refere no jornal A Voz do Mar de 12-9-2000, que todas as fábricas de Peniche, eram baseadas na sardinha. Depois mostra em linhas gerais como se efetuava a sua laboração: Aproveitava-se o peixe apanhado durante cerca de 8 meses (de maio a dezembro), quando a sardinha era mais rica em gordura, visto que nos restantes meses, o fabrico não se efetuava em consequência do “defeso”; o peixe, ao sair do mar era salgado, procedendo-se depois ao corte da cabeça e extração das tripas; o peixe, descabeçado, desviscerado e lavado, era lançado em tanques com salmoura durante um tempo variável: daí as sardinhas eram dispostas, uma por uma, sobre suportes de arame de ferro estanhado (grelhas); as grelhas com as sardinhas, eram introduzidas em estufas de ferro, onde penetrava o vapor de água, que por sua vez cozia o peixe; deixava-se secar um pouco o produto e procedia-se ao enlatamento em latas bem limpas, isto depois de se eliminar a cauda e o que não cabia na lata (toutiço); seguia-se o azeitamento ou cobertura do peixe com óleos (azeite ou óleo de amendoim); colocava-se a tampa da lata, sendo os soldadores a fazerem o resto do trabalho.7
Por despachos ministeriais do Subsecretário de Estado ou do Ministro do Comércio e Indústria era a fábrica de Peniche autorizada: a 17-5-1935, a instalar uma máquina de azeitar, sendo publicado no Diário do Governo de 25-5-1935; a 8-5-1939, a instalar um cozedor simples igual ao aí existente e uma cravadeira Sudry B.C. 15, sendo publicado no Boletim da DGI n.º 120 de 25-5-1939; a 4-12-1942, a instalar a seguinte maquinaria, para uso exclusivo e reparação do seu equipamento: 1 torno mecânico de fabrico nacional com 1,50 m entre pontos; 1 engenho de furar até 25 mm; 1 dínamo corrente contínuo de 50 volts; 1 motor Pettere de 5 C.V. a petróleo; 1 engenho de furar, manual; 1 forja e 1 fole, sendo publicado no Diário do Governo, IIª Série de 14-11-1942 e DGI de 18-11-1942; a 6-9-1955, a instalar um cozedor-secador de ar quente com 3m,40 x 1m,85 x 1m,36, sendo publicado no Boletim da DGSI n.º 353 de 5-10-1956; a 21-5-1960, a substituir 1 cravadeira automática para lata retangular e uma cravadeira manual para lata redonda, por 2 cravadeiras tipo V3 automáticas de 2 cabeças e 8 lunetas; a 15-12-1965, a instalar uma cravadeira automática da marca Vulcano, tipo V3 CAU 50, de 2 cabeças e 8 lunetas, sendo publicado no Boletim da DGSI n.º 887 de 29-12-1965; a 8-11-1967, teve autorização para utilizar nas suas instalações fabris de guano de peixe, com aproveitamento do respetivo óleo, matéria-prima tanto proveniente da sua própria fábrica de conservas de peixe, como de outras proveniências e a vender livremente os respetivos produtos; a 12-7-1973, teve autorização para instalar uma secção de congelação de peixe com os seguintes sectores individualizados: sala de receção, onde seriam realizadas as operações de pesagem, preparação, embalagem, etiquetagem, etc.; câmaras de pré-refrigeração; antecâmara; câmaras frigoríficas (de armazenagem); túneis de congelação (rápida) ou tanque de imersão, sendo publicado no Boletim da DGSI n.º 396 de 1-8-1973.8
A 8-3-1960, a fábrica de conservas de peixe em Peniche, estava apetrechada com: «1 cofre cozedor a vapor com capacidade de 8,388 m3; 4 cofres secadores a ar quente com a capacidade de 34,216 m3; 1 autoclave de esterilização com a capacidade de 9,520 m3; 10 cravadeiras Matadouro, 1 cravadeira para lata redonda».9
Em 31-12-1964, esta unidade fabril de Peniche tinha inventariado: escritório, creche, enxugador, casa das cravadeiras e estufa, casa da cal, casa das caldeiras, casa dos tinos, casa de enlatar, casa do azeite, oficina de latoeiro, oficina de pintura, oficina de carpinteiro, oficina de eletricista, local de estanhagem, serralharia, depósito, central elétrica, máquinas, utensílios e equipamento industrial, equipamento industrial para servidão da antiga fábrica de guano; antiga estiva, armazém da ribeira e garagem.
Em 31-3-1988, o grupo americano H. J. Heinz Company, adquire a marca de conservas Marie Elisabeth e compra as fábricas de Peniche e Matosinhos, aos novos donos da Júdice Fialho – Conservas e Peixe S.A.R.L. (de Portimão). Logo de seguida, estas unidades fabris foram objeto de investimentos, que no total ascenderam a 4 milhões de contos (com alguns projetos subsidiados pela Comunidade Europeia). A nível nacional, chegou a ocupar cerca de 800 empregados – 400 em cada unidade, produzindo cerca de 100 toneladas diárias de pescado, correspondentes a 350.000 latas, sobretudo de sardinha, complementada com a de atum em 1990. Durante o exercício de 1991, a factoração da Marie Elisabeth foi da ordem de 3,5 milhões de contos. Em 1993, funde-se com a IDAL – Sociedade de Industrias de Alimentação L.da, com sede em Benavente (controlada pela Heinz Portugal Industrias de Alimentação), iniciando a produção de filetes de sardinha em 1994.10
Em março de 2006, a fábrica de Peniche da IDAL do grupo empresarial Heinz Portugal, foi adquirida pela MWBrands, com sede em França, que tinha um lugar de relevo na indústria conserveira mundial com fábricas espalhadas em França, Gana e Seychelles. A unidade de Peniche, integra o novo grupo, adoptando a designação de ESIP – European Seafood Investiments Portugal L.da. Em Novembro de 2010, o grupo é adquirido por capitais tailandeses da empresa Thai Union Frozen Products, o maior produtor mundial de conservas de pescado, mantendo-se ainda em funcionamento.11 Desde 2010, produzia diariamente 60 toneladas de conservas de latas de sardinha e cavala destinados à exportação. A partir de 2015, produz conservas de sardinha e cavala grelhadas, sardinha em filetes e sardinhas inteiras, atum e saladas de atum.
Segundo Ana Rita Silva de Serra Faria, esta fábrica produzia 14.335 caixas de conservas de peixe em 1938, 17.550 em 1939, 16.614 em 1940, 17.922 em 1941, 16.905 em 1942, 15.738 em 1943, 11.916 em 1944, 7.383 em 1945, 11.791 em 1946, 8.668 em 1947, 4.544 em 1948, 1.475 em 1949 e 10.520 em 1950.12
Segundo a planta de remodelação da fábrica de Peniche, esta seria constituída à esquerda: entrada de camionetas, casa do sal, secção de enlatamento, secção de descabeço, depósito de grelhas, máquina de lavar grelhas; ao centro: retretes, lavabos, dormitórios, arrecadação, hall, casa do azeite, aparador, máquina de azeitar, transportador, mesa para escorrer o azeite, esterilizadores, casa das caldeiras, quintal; à direita: casa do motor, casa do vazio, casa de bater lata, depósito, quintal, depósito de água existente, máquina de lavar grelhas e quintal.
[1]cf. Para a fábrica de conservas de sardinha, farinha e óleo de peixe de Peniche, consulte-se a monografia de Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes – João António Júdice Fialho (1859-1934) e o Império Fialho (1892-1981), Lisboa: Academia dos Ignotos, 2022, pp. 58-64; Ministério do Mar, Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), Arquivo do Instituto de Conservas de Peixe (1936-1986), Júdice Fialho, Conservas de Peixe, SARL., Peniche, 1935.
2cf. Museu Municipal de Portimão (MMP), Arquivo Júdice Fialho, caixa 484, documento 7443 e Jorge Miguel Robalo Duarte Serra – O Nascimento de um império conserveiro: “A Casa Fialho” (1892-1939) [Texto Policopiado], tese de Mestrado em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Porto, 2007, pp. 67 e 101. A identificação da fábrica Júdice Fialho de Peniche pelo lugar do Juncal, foi-me fornecida pelo pintor penichense Antero Anastácio, que viveu na sua infância no bairro Fialho em Peniche e onde seus pais trabalharam na dita fábrica; deste artista e pintor penichense é também a autoria do croqui da fábrica.
3cf. Comemoração 100 anos da Fábrica [de Peniche], 1915-2015.
4cf. Comemoração 100 anos da Fábrica [de Peniche], 1915-2015.
5cf. Diário da Manhã, ano 1, n.º 235 de 26-11-1931, Diário de Notícias, ano 67º, n.º 23644 de 26-11-1931, pp. 1-2 e Século, ano 51, n.º 17857 de 22-11-1931, p. 3.
6cf. Ministério do Mar, DGRM, Arquivo do Instituto de Conservas de Peixe (1936-1986), Júdice Fialho, Conservas de Peixe, SARL, Portimão (S. José). Fab. 4.701.109, 1934.
7cf. Fernando Engenheiro – «Apontamentos para a História das Fábricas de Conservas e Estivas em Peniche», in jornal A Voz do Mar de 12-9-2000, p. 4.
8cf. Ministério do Mar, DGRM, Arquivo do Instituto de Conservas de Peixe (1936-1986), Júdice Fialho, Conservas de Peixe, SARL., Peniche, 1935.
9cf. Ministério do Mar, DGRM, Arquivo do Instituto de Conservas de Peixe (1936-1986), Júdice Fialho, Conservas de Peixe, SARL., Peniche, 1935.
10cf. Semanário de 8-2-1992, p. 9 e Correio da Manhã de 24-9-2005, p. 21.
11cf. Área Oeste de 24-9-2012.
12cf. Ana Rita Silva de Serra Faria – A organização contabilística numa empresa da indústria de conservas de peixe entre o final do século XIX e a primeira metade do séc. XX: o caso Júdice Fialho”, Tese de Mestrado, Universidade do Algarve / Universidade Técnica de Lisboa, Faro, 2001, Anexos, quadro II. 7, p. 15.
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