Surge por vezes em conferências e colóquios uma interrogação aparentemente simples, “se Portugal é banhado pelo Atlântico porque somos mediterrânicos?”
A pergunta tem fundamento e como outras é importante aprofundar, a resposta correcta deverá ter sempre por base os resultados de décadas de investigação pluridisciplinar, na geografia física e humana, climatologia, geologia, paisagismo, história, sociologia, …
Num olhar geográfico a posição de Portugal é atlântica, mas pela análise climatológica vemos que coexistam no território influências atlânticas, da meseta ibérica, do Magreb e do Sahara.
Do ponto de vista cultural, em todas as suas dimensões, que evoluíram em mais de dois mil anos, foram navegadores e comunidades vindas do mediterrâneo, fenícios, gregos, romanos, árabes, berberes, genoveses e venezianos, que na Península Ibérica modularam a cultura e a língua, as religiões e o urbanismo, introduziram tecnologias de captação e distribuição da água, desenvolveram as redes viárias, o comércio, a agricultura e a salicultura, a filosofia, as ciências e as artes, a alimentação e a cozinha, festividades e convivialidades com pratos de cada época do ano.
Orlando Ribeiro e outros cientistas em meados do século XX formularam respostas fundamentadas, “Portugal é pela sua localização atlântico, mas culturalmente mediterrânico”.
As culturas mediterrâneas, conviviais e vicinais, acompanham os ciclos astrais e agrários, celebram sementeiras e colheitas, ritualizam alimentos e o espírito comunitário, as casas do Sul têm orientações para receber a luz solar, protegem os habitantes dos estios quentes e prolongados com materiais construtivos e fenestração adequada, têm pátios interiores refrescantes, fontes, poços, arbustos e flores, hortas e pomares circundantes, …Encontramos exemplos de norte a sul do País, o uso de materiais locais determinou a preponderância do granito a norte do Tejo e do barro a sul.
Aspecto determinante para características comuns é a origem mediterrânica das três grandes religiões monoteístas, baseadas no Profeta, no Livro Sagrado e no Deus Único.
Coexistem hoje duas visões do Mediterrâneo, a da cooperação pacífica mercantil e o conflito que usa as supremacias religiosas e militares. Os povos nómadas do Médio Oriente, homens sem Estado ou religião oficial que os protegesse e representasse, encontraram no Islão alguma unidade. Quando o Império Romano se desagregou, em poucos anos todo o norte de África foi conquistado por monges-cavaleiros, as populações doutrinadas, islamizadas e arabizadas. Deu-se a arabização do monoteísmo judaico-cristão de que estavam excluídas.
Nas fronteiras do mundo mediterrânico espreitavam os bárbaros que invadiram os territórios desejosos de viver como as populações do Sul, apreender as suas formas de organização, possuir as riquezas provenientes do comércio intenso no “grande lago”, gozar o quotidiano de cidades com termas, coliseus, teatros, templos, festas, …A monarquia visigoda não trouxe consigo qualquer revolução cultural, adoptou o cristianismo, o Direito e as formas de organização social.
A verdade é que não é possível compreender a(s) cultura(s) mediterrânica(s) sem estudarmos as origens, os seus valores e o modo de vida que estão nas festividades cíclicas peninsulares desse mundo antigo. A alimentação mediterrânica mundialmente reconhecida só a poderemos entender nesse contexto social, como cultura adaptada ao clima e às características geofísicas, de sabedorias indispensáveis à sobrevivência humana.
O Islão, tal como o paganismo, o judaísmo e o cristianismo fazem parte integrante da cultura mediterrânica.
A narrativa histórica dos acontecimentos dos séculos iniciais do primeiro milénio foi escrita na Idade Media, influenciada pelos interesses de domínio e supremacia.
As ortodoxias político-religiosas actuais que hoje influenciam a política dos Estados pouco ou nada têm a ver com as origens do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, são interpretações doutrinárias e instrumentais que afastam da compreensão do processo histórico-cultural.
As culturas mediterrânicas, neste contexto de “globalização”, são de importância vital para todos, promotoras de equilíbrios ambientais, económicos, culturais e sociais.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico