Recentemente estive na Biblioteca Municipal de Vila Real de Santo António, onde participei no BiblioMargens – I Encontro da Rede de Bibliotecas do Baixo Guadiana.
O cartaz do evento era bastante apelativo, tanto no painel que apresentava, como na concepção gráfica.
A organização coube à Rede de Bibliotecas do Baixo Guadiana que é constituída pelas Bibliotecas Escolares e Municipais dos concelhos de Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António.
O Encontro teve como tema “Práticas de trabalho em rede” com partilha de experiências e boas práticas. As comunicações foram riquíssimas e apresentadas com muita clareza, de forma cativante e apoiadas com imagens, sons, vídeos e testemunhos.
Foram apresentados projectos de grande interesse por todos os oradores. Este evento contou com o apoio e a presença de autarcas dos três municípios do Baixo Guadiana, de representante da Dir. Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) e da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). Teve a presença de participantes de várias zonas do Algarve e de Espanha, e naturalmente bibliotecários das duas margens do rio.
As bibliotecas e os leitores sempre como pano de fundo, cada uma com a sua identidade, muitas com estratégias comuns e todas com projectos que têm tido bom acolhimento e reconhecimento.
O dia 30 de Maio foi muito completo para quem tem paixão pelas bibliotecas, pelos livros e quer tornar os leitores mais felizes. Espero que o Encontro BiblioMargens se repita todos os anos, pois trouxe novos dados e informação muito bem fundamentada e actualizada, até de Booktrailers, Bookstagrammers e de Booktokers se falou.
Um poeta e escritor do neo-realismo português como patrono da Biblioteca
A Biblioteca Municipal de Vila Real de Santo António foi inaugurada a 15/09/2009 e está instalada num edifício criado de raiz com dois pisos e cerca de 2000m2.
Desde o início que tem uma actividade cultural intensa com clube de leitura, exposições, encontros de poetas, apresentações de livros, conferências, debates e diversos projectos como o “Clube Malha de Letras” e o “Entre Estórias” dinamizado pelas funcionárias da Biblioteca nos Lares e Centros de Dia da Santa Casa da Misericórdia de VRSA.
António Vicente Campinas dá nome à Biblioteca Municipal do concelho onde nasceu em 1910 e onde começou a publicar desde cedo. É um nome incontornável em Vila Real de Santo António e um autor de mérito reconhecido nacionalmente.
“Quem quiser conhecer a alma profunda da hoje cidade de Vila Real de Santo António, tem obrigatoriamente de ler ou reler Vicente Campinas” escreveu José Estêvão Cruz.
“É dos autores que melhor recria a vida e as gentes do Sotavento Algarvio e do Baixo Guadiana” segundo palavras de Carlos Brito.
“Ao ler a obra de Campinas é como se tivesse vivido nesses tempos. É esse o poder da literatura. E temos que agradecer a quem nos lavrou essas páginas, as quais contribuíram para que, hoje em dia, possamos saber ainda melhor como se vivia em Vila Real de Santo António há meio século” disse António Rosa Mendes (1954-2013) na cerimónia do centenário de Vicente Campinas.
Andou lado a lado com Alves Redol, Manuel da Fonseca e Fernando Namora, entre outros. Sofreu perseguições políticas, foi preso e esteve exilado em França.
Da sua obra, destacam-se:
Aguarelas (poesia), 1938; Recantos farenses (Livraria Campina), 1956; Lisboa, Outono (Livraria Ibérica), 1959; Catarina (poesia), 1967; Preia-mar (poesia) (Ed.do Autor), 1969; Reencontro, 1971; Escrita e combate – textos de escritos comunistas, 1976; Natais de exílio, 1978; Homens e cães (contos), 1979; Três dias de inferno, (Jornal do Algarve), 1980; Vigilância, camaradas (Jornal do Algarve), 1981; Gritos da fortaleza, (Jornal do Algarve), 1981; Putos ao deus-dará, 1982; Rio Esperança, Guadiana, meu amigo (Jornal do Algarve), 1983; Fronteira azul carregada de futuro (Ed.do Autor), 1984; O dia da árvore marcada (Nova Realidade), 1985; Fronteiriços (Nova Realidade), 1986 (1ª edição 1953, proibida e apreendida); Ciladas de amor e raiva (Ed. do Autor), 1987; Segredo do meio do mar (Ed. do Autor), 1988; Mais putos ao deus-dará (Orion), 1988; O azul do sul é cor de sonho, Narrativas, 1990; A dívida, os corvos e outros contos (em colaboração com Manuel da Conceição), 1992; Guardador de Estrelas, Antologia, 1994 (prefácio do escritor Urbano Tavares Rodrigues).
Na brochura da Biblioteca pode ler-se que “Foi proprietário de uma livraria, em Vila Real de Santo António, o que espelha, também, a sua vocação e dedicação à escrita e ao livro. Fomentou e promoveu o gosto pela leitura com o empréstimo de livros, criando, de um modo casual, um protótipo de biblioteca.”
Considerado um homem simples que defendeu e se identificou, sempre, com os mais pequenos na hierarquia social, e que os descreveu de um modo único e genuíno nos seus livros.
Faleceu em 1998 em Vila Real de Santo António e é considerado uma figura cimeira do neo-realismo português com uma vasta obra, que abrange vários géneros literários, da poesia ao romance e da novela à crónica.
Helena Pato refere que Vicente Campinas era um autodidacta de grande talento, tornando-se um escritor muito apreciado e tendo sido citado em estudos universitários. Dá ainda nota de que alguns dos seus livros foram traduzidos em várias línguas.
Vicente Campinas, um poeta que sonhava um futuro de liberdade. Aqui fica um poema seu, datado de 2.3.1959, e que se encontra no seu livro Proa ao vento publicado em 1966:
ASSOMO AO FUTURO
Menino de pés descalços,
sol, jardim, flor e revolta,
restos de sonho atirado
ao fundo do poço do medo:
Onde é que existe a fogueira
que faz sofrer a inocência?
Como há tamanha negrura
na pureza esperança?
Resistência inconcebida
num corpo franzino e atado
à roda do sofrimento
com manchas de sol e sonho!
Finca bem os pés no chão.
Há regos de sangue vindos
das entranhas da memória
vitalizando a semente.
E se tens de ser bandeira,
sol, flor, jardim e revolta,
que seja à doce maneira
de uma pomba em liberdade!
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia