“Não havia acesso construído e o terreno era um areal e um pinhal”. Foi ali, há 50 anos, naquele espaço de 650 hectares com vista para o mar, que tudo começou no sonho de um visionário. André Jordan conta como foi o princípio de tudo, e como concebeu e levou por diante o projeto Quinta do Lago, inscrito, com certificado de elevada qualidade, nos roteiros do turismo imobiliário de lazer de todo o mundo.
Nasceu na Polónia e devido à guerra seguiu com o seu pai e família para o exílio no Brasil. Que idade tinha e porquê a escolha do Brasil pelo seu pai?
Cheguei com a família ao Brasil aos seis anos de idade, tendo saído da Polónia no dia da invasão alemã, 1 setembro de 1939, chegando a Lisboa em janeiro de 1940 e depois, a conselho de pessoas que o meu pai conheceu em Lisboa, fomos para o Brasil.
Fixando-se no Rio de Janeiro, o seu pai inicia uma nova etapa de vida. A que ramo de atividade se dedicou?
A família do meu pai, desde o meu bisavô, foi pioneira na indústria do petróleo na Europa. Estava localizada na região polaca chamada Galícia, que atualmente faz parte da Ucrânia. Este era o negócio do meu pai, impossível no Brasil, porquanto o petróleo, que ainda não havia sido descoberto, era já naquela altura propriedade do Estado.
O meu pai com um grupo de exilados polacos soube da incipiente indústria imobiliária, foi a isso que se dedicou com sucesso.
O sr. André Jordan, entretanto, ganhou autonomia e lançou-se na vida empresarial. Como e quando descobriu o Algarve ou o que é que viu no Algarve de há 50 anos que o atraiu para aqui se instalar?
Colaborei com o meu pai, Henryk Spitzman Jordan, intermitentemente enquanto mantive atividade na imprensa do Rio de Janeiro. Em 1963, o meu pai voltou a Portugal aonde criou uma empresa que realizou o empreendimento das Torres do Alvor, no Algarve, conhecido como Torralta e desenvolveu em Lisboa o empreendimento Bairro Augusto de Castro, no concelho de Oeiras. Ambos com sócios internacionais.
Após a morte do meu pai, depois de ter trabalhado nos Estados Unidos e na Europa, pensei em realizar um empreendimento de lazer e habitação. Tinha conhecido o Algarve, mas não tendo reconhecido o seu potencial.
“Num alto com vista para a Ria, as dunas e o mar e olhando para os terrenos em volta visualizei a Quinta do Lago, como veio a ser chamada, sendo que o lago ainda não existia”
Como é que foi o começo? Como descobriu o terreno, o espaço, e como concebeu aquilo que viria ser a atual Quinta do Lago?
Um encontro nas Bahamas com um agente imobiliário sueco, que vendia no seu país o empreendimento ao qual ambos estávamos ligados, disse-me que o futuro do imobiliário de lazer estava no Algarve. Acendeu-se uma luz e, tendo já conhecido o Algarve, resolvi tentar criar um empreendimento nessa zona. Contactei o arquiteto João Caetano, que havia colaborado com o meu pai e me organizei para visitar propriedades no Algarve. Contactei também o banqueiro Afonso Pinto Magalhães, dono de várias propriedades e que eu havia conhecido numa reunião em Paris dos acionistas da Anglopor, que havia realizado o empreendimento no Alvor.
Quando vim a Portugal, contactei-o e ele designou o presidente da sua empresa Aquazul, que controlava várias propriedades no Algarve. No dia 26 de abril de 1969, um domingo, aniversário da minha mulher, tendo previsto continuar naquela tarde a viagem até Espanha para explorar possibilidades na costa da Andaluzia, fui acordado pelo representante da Aquazul para ir visitar o terreno que o presidente dessa empresa, Albano Castro e Sousa, tinha indicado.
Não havia acesso construído e o terreno era um areal e um pinhal. Andávamos perdidos até que eu disse ao homem – para deixarmos para a próxima visita. Ele respondeu – se o senhor não for ver o terreno, vou ser despedido. Foi assim que chegámos à propriedade. Num alto com vista para a Ria, as dunas e o mar e olhando para os terrenos em volta visualizei a Quinta do Lago, como veio a ser chamada, sendo que o lago ainda não existia.
Partiu de algum modelo de empreendimento conhecido para aplicar no terreno que adquirira?
A minha conceção era de um empreendimento residencial com um campo de golfe, hotel, residências, e alguns aldeamentos. A minha inspiração básica foi um local no Uruguai, Punta del Este, aonde existia um empreendimento chamado Cantegrill, de baixa densidade e um ótimo ambiente. Também o conhecimento de clubes de golfe e country clubs nos Estados Unidos fizeram parte da fórmula que concebi, inclusive com algumas ideias originais.
O que sei, é que a inspiração daquele dia nos trouxe até ao esplendoroso aniversário de 50 anos, um empreendimento agora propriedade de um bilionário irlandês, um dos líderes mundiais do setor das comunicações em vários países.
Qual era a área do espaço e quanto é que lhe custou?
A propriedade, que tinha 650 hectares, custou o equivalente a 5 milhões de dólares da época, pagos com um sinal e o restante saldo a pagar com o produto das vendas, uma demonstração de confiança que Afonso Pinto Magalhães me concedia.
Nessa altura era o princípio do futuro no Algarve. O projeto Quinta do Lago foi precursor de um modelo na imobiliária turística e no turismo de qualidade, mas nem todo o Algarve, à exceção de poucos empresários, lhe seguiram o exemplo. Acha que era possível evitar a massificação e o desordenamento urbano turístico que acabou por prevalecer?
Não considero o Algarve massificado nem desordenado urbanisticamente. É óbvio que faltou alguma qualidade no planeamento, principalmente ao nível das cidades, mas pode acreditar que não é preciso ir muito mais longe do que a Espanha para encontrar o que é verdadeira massificação e baixa qualidade da grande maioria dos empreendimentos. Essa realidade aplica-se a muitos outros lugares, inclusive à minha inspiradora Punta del Este, a sua zona residencial é hoje uma floresta de edifícios.
É preciso reconhecer que o mercado residencial de turismo de qualidade não é gigantesco e o sucesso dos empreendimentos é limitado. Basta dizer que a Quinta do Lago aos 50 anos está vendendo ainda as últimas propriedades disponíveis.
Vilamoura, na qual desenvolvi a segunda fase denominada Vilamoura XXI, continua o seu desenvolvimento após 60 anos. Também devemos reconhecer que a receita gerada para as câmaras através de impostos prediais, permite a requalificação de muitas áreas urbanas, sendo difícil de encontrar zonas degradadas no Algarve.
“Não considero o Algarve massificado nem desordenado urbanisticamente. É óbvio que faltou alguma qualidade no planeamento, principalmente ao nível das cidades, mas não é preciso ir muito mais longe do que a Espanha para encontrar o que é verdadeira massificação”
Não está, portanto, desencantado com o rumo que o Algarve tomou?
Não estou desencantado com o Algarve e tenho muito orgulho e satisfação de ter colaborado com o seu desenvolvimento económico, social e cultural. O Algarve de hoje tem uma prestigiada universidade e até algumas valências de serviços que são as melhores de Portugal.
Há quem associe o projeto imobiliário e de lazer da Quinta do Lago a uma urbanização para ricos, mas o André Jordan gosta de falar num projeto social para ricos. Há alguma diferença ou não passa de um eufemismo?
Quando disse que a Quinta do Lago era um projeto social para ricos, foi de brincadeira, como dizendo que os ricos também merecem, mas têm de pagar.
Politicamente como é que se afirma e quais são as preocupações sociais do cidadão André Jordan?
Tendo crescido no Rio de Janeiro em contacto com a realidade de grandes contrastes económicos e sociais e estudado nos Estados Unidos quando prevalecia uma política de desenvolvimento económico e social lançado pelo maior Presidente democrático da história, Franklin Delano Roosevelt, o seu modelo – New Deal – é um exemplo bem-sucedido, aplicável a qualquer sociedade, sendo uma social democracia progressista com livre empresa e de um estado que fiscaliza o sistema financeiro e realiza obras de infraestruturas, mas não se mete em negócios. Trata-se da social-democracia aplicada com rigor e sucesso.
Hoje como vê o Algarve no seu todo e no turismo em particular?
Vejo o Algarve com amor e carinho e recebo dos algarvios afeto e reconhecimento que me comovem e me motivam.
Nota-se nos novos empreendimentos e hotéis, bem como no upgrade dos antigos, um aumento de qualidade que é muito importante para a consolidação da região no mercado.
Os responsáveis algarvios têm por hábito apontar o dedo ao centralismo de Lisboa para o planeamento e atraso de obras fundamentais para a região. Não haverá culpas dentro de casa?
Quando diz centralismo em Lisboa, refere-se ao atraso das obras fundamentais, tais como a EN 125 ou o Hospital Central. Não há problema em relação ao planeamento, porquanto a CCDR tem tido um grande e eficiente papel nesse sentido.
Mas o que tem faltado para a afirmação do Algarve junto do poder político no Terreiro do Paço?
O que falta para a afirmação política do Algarve é a união dos empresários para representarem em conjunto o grande investimento existente e a geração de divisas que são um fator crucial nas exportações.
Infelizmente, tivemos durante várias décadas uma associação das empresas que se dedicava a emitir estatísticas. Atualmente, está na direção da AHETA um dos mais competentes gestores do Algarve, Hélder Martins, que poderá mobilizar o verdadeiro potencial da capacidade política económica do setor para consciencializar o poder central. Os membros da AHETA representam muitos votos e têm o apoio da população.
Depois de tantos projetos concretizados, o que é que gostaria de ter feito e não fez? Tem ainda alguns sonhos?
A minha capacidade de sonhar é apenas limitada pela realidade. Como sempre olhei para o dinheiro como uma afirmação da validade e utilidade dos meus projetos, nunca tive como afirmação a necessidade do gigantismo. Estou com 89 anos, preocupo-me com o mundo e com os grandes e difíceis problemas que todas as comunidades enfrentam, que de certa maneira são geradas pela ambição do gigantismo e do poder do dinheiro. Isto é bem exemplificado pelo empresário Elon Musk nos seus passeios pela estratosfera.
Desejo ao Algarve e ao seu povo, no qual encontro várias gerações de famílias que trabalharam e ajudaram a construir e desenvolver os empreendimentos que desenvolvi, um futuro de equilíbrio económico e paz social, que aliás é exemplificada pela harmonia das relações da população local e os residentes e visitantes vindos de fora.
Nasceu polaco, numa cidade que hoje, julgo saber, é parte integrante da Ucrânia. Como refugiado de uma guerra, como olha agora para a nova guerra no leste europeu?
A guerra é produto da megalomania de um homem que se encontrou com o poder de destruição e para dar satisfação ao seu ego e ao seu sentimento de inferioridade, não hesita em prejudicar a humanidade, que infelizmente lhe permite fazer.
“Sou tudo isso que diz (visionário, cidadão do mundo), mas como algarvio de Almancil, é que serei enterrado no seu cemitério de São Lourenço, aonde aqueles que sentirem a minha falta poderão me visitar”
Polaco, brasileiro, português… cidadão do mundo, há quem o considere uma das 12 personalidades mais influentes no turismo a nível mundial, com reconhecimento e comendas em vários países, mas foi aqui no Algarve que se realizou. Revê-se nesse reconhecimento internacional?
Tenho participado de organismos internacionais, tais como The Duke of Edinburgh’s International Award, que realiza ações de formação de jovens em 140 países e já processou mais de 8 milhões de pessoas. Fui Vice-Chairman do World Travel and Tourism Council (WTTC), no qual criei a Cimeira Mundial de Viagens e Turismo, que junta anualmente as maiores empresas do setor com as autoridades públicas do turismo, incluindo as maiores cadeias hoteleiras e as principais companhias de aviação de todos os continentes numa conferência que é realizada em muitos países e é considerada a Davos do turismo.
Como gostaria de ser recordado para a posteridade? Um visionário empreendedor, cidadão do mundo, ou um algarvio de Almancil?
Gosto muito do reconhecimento pela capacidade de poder influir para o bem e olho para um gajo que conheço e que se chama André Jordan com um certo orgulho. O reconhecimento nacional e internacional vale para a alegria da minha mãe e do meu pai, aonde quer que eles estejam e para a motivação dos meus filhos, da minha filha, das minhas netas e netos, sendo que estes são todos nascidos em Portugal.
Não acredito muito na perenidade do prestígio e na fama. Vejo que poucos são lembrados. Sou tudo isso que diz, mas como algarvio de Almancil, é que serei enterrado no seu Cemitério de São Lourenço, aonde aqueles que sentirem a minha falta me poderão visitar.