“Os poetas nunca partem. Às vezes, encerram para balanço.”
António Ramos Rosa
Dia Mundial do Livro será celebrado dentro de poucos dias para relembrar a importância dos livros na vida dos leitores. Por decisão da UNESCO, esse dia comemora-se a 23 de Abril desde o ano de 1996. É uma data especial para as bibliotecas e muitas delas foram inauguradas precisamente a 23 de Abril.
A escolha da data é justificada por William Shakespeare e Miguel de Cervantes terem, supostamente, morrido a 23 de Abril de 1616. Pesquisando informação mais detalhada não se encontra nenhum documento que comprove que um ou outro tenha morrido nessa mesma data, mas o mais importante é que aquilo que os une e que une os leitores nunca seja esquecido: o livro.
Mais do que comprovado é que 1923 foi o ano de nascimento de grandes referências culturais em Portugal. Assim, este ano celebra-se o centenário de nascimento das personalidades aqui referidas e para as quais os livros e as bibliotecas foram verdadeiramente importantes:
Eduardo Lourenço (1923 – 2020)
Eugénio de Andrade (1923 – 2005)
Mário Cesariny (1923 – 2006)
Mário Henrique Leiria (1923 – 1980)
Natália Correia (1923 – 1993)
Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Alguns destes escritores e poetas deram nome a bibliotecas.
Uma das missões das bibliotecas é perpetuar a memória, nomeadamente de quem teve com o seu percurso individual uma dimensão colectiva e que contribuiu de forma relevante para a educação, a cultura, a ciência, ou qualquer outra área do conhecimento. Particularmente quando deu grandes exemplos de participação e envolvimento com a sociedade, valorizando as identidades locais, levando-as mais longe.
A adopção de um patrono serve não apenas para dar visibilidade ao espaço, mas para o patrono continuar a viver de forma dinâmica, sendo divulgada a sua obra, homenageado o seu legado e enaltecida a sua memória.
Por vezes a biblioteca é conhecida apenas pelo nome do patrono. Quando estava a caminhar para a biblioteca para fotografar as suas duas entradas, um grupo de jovens dizia entre eles: “Vamos para a Ramos Rosa”!
Esta proximidade e interiorização do nome de uma figura que podia ser distante faz com que o poeta esteja mais presente e, espero, que a sua poesia continue bem viva no seio da comunidade!
Biblioteca Municipal António Ramos Rosa
No próximo Dia Mundial do Livro, a Biblioteca Municipal celebrará 22 anos. Foi inaugurada no dia 23 de Abril de 2001 com a presença do Presidente da DGLAB, na altura IPLB, do Presidente da CMF, demais entidades locais e do seu patrono.
António Ramos Rosa nasceu em Faro, a 17/10/1924, e morreu em Lisboa, a 23/09/2013. Poeta, ensaísta e tradutor, “figura central da poesia portuguesa de todos os tempos”, recebeu o Prémio Pessoa em 1988. Recebeu também o Prémio PEN Clube, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia traduzido em França.
Deixou uma vasta obra com quase uma centena de livros entre os quais: O Grito Claro, Rosa Intacta, Estou Vivo e Escrevo Sol, Incêndio dos Aspectos, Nos Seus Olhos de Silêncio, Respirar a Sombra Viva, Acordes e o último que publicou, intitulado Numa folha, leve e livre, foi apresentado na Biblioteca com o seu nome, a 21/10/2014, conjuntamente por Adriana Nogueira e por mim.
António Ramos Rosa tinha grande proximidade com outros poetas algarvios. Há um livro com a correspondência trocada com o poeta Manuel Madeira (1924 – 2016), também com vasta obra publicada e considerado um exemplo de coragem na forma como enfrentou a PIDE, intitulado: Cartas poéticas entre António Ramos Rosa e Manuel Madeira. Existiu grande proximidade também com Gastão Cruz (1941 – 2022) que foi muito atento à poesia de Ramos Rosa e à história da poesia portuguesa, que conhecia como poucos.
No discurso proferido durante a cerimónia de inauguração da Biblioteca Municipal de Faro, em 2001, António Ramos Rosa terminou com estas palavras: “A minha vida culmina com o meu nome a esta casa” e brindou o auditório com um poema seu dedicado ao novo espaço. Conversei recentemente com a viúva de António Ramos Rosa, Agripina Costa Marques, também poeta, de 93 anos e de uma lucidez e simpatia imensas.
Referiu a alegria com que o marido recebeu a homenagem, que considera merecida e acabámos a falar sobre o tempo da Censura. Estou a escrever sobre a Censura Literária no Estado Novo e fiquei a saber nesta conversa que o livro Poesia, Liberdade Livre foi inicialmente apreendido devido ao título, considerado suspeito. No entanto, a Comissão de Censura acabou por cancelar a apreensão por não ter encontrado nada de subversivo.
Vale a pena ler a poesia de Ramos Rosa e visitar esta Biblioteca que está instalada num edifício de arquitectura revivalista neo-árabe de 1899, que foi construído para servir de matadouro municipal.
A criação oficial da Biblioteca Municipal de Faro remonta a 1902, ano em que foram entregues à Câmara Municipal os primeiros 2000 volumes recolhidos, que ficaram instalados numa sala dos Paços do Concelho.
Em 1943 todas as obras existentes foram registadas e adquiridos novos livros. Foi criada uma Biblioteca ao Ar Livre, na Alameda João de Deus (o mesmo lugar onde agora existe a Biblioteca Municipal de Faro).
É um lugar privilegiado da cidade com diferentes espécies vegetais e algumas árvores centenárias, um lago, cisnes, pavões e tem entrada directa do jardim para a Biblioteca.
A Biblioteca Municipal de Faro tem uma programação bastante activa com grande destaque para a poesia. De referir uma original iniciativa de 2019 designada “ler é o melhor remédio”, em parceria com a Administração Regional de Saúde do Algarve (ARS), para distribuição de “receitas poéticas”, inclusive com a aparência de uma prescrição médica, recomendando ao utente a toma de poemas da autoria de diversos autores.
Cito essa informação «A posologia das receitas indica que se deve “ler um poema de 12 em 12 horas” e, consoante o caso, a receita poderá contribuir “para melhorar o humor”, “para começar bem o dia”, “para combater a dor emocional” ou até “para ler a um amigo”. É também autorizada e aconselhada a visita à Biblioteca Municipal de Faro, que terá um livro para oferecer a todos os cidadãos que apresentem a “receita poética”.»
“A Biblioteca fora de Portas” é outra iniciativa que leva as histórias até à Unidade de Pediatria do Centro Hospitalar Universitário do Algarve. “Histórias contadas, sorrisos partilhados” um projecto de envelhecimento activo e saudável.
Para além do “Encontro com Autores”, a Biblioteca tem a “Hora do Conto” tradicional, mas também a “Hora do Conto com Pais e Avós a contar histórias”, tem Cinema mensalmente e Visitas Guiadas.
O mundo das bibliotecas e dos livros é fascinante, através deles viajamos, aprendemos, crescemos intelectualmente, ganhamos paz de espírito ou inquietação e tornamo-nos outras pessoas.
As bibliotecas e a era digital
Sabemos, no entanto, que novos desafios se colocam nestes tempos em que temos o écran na palma da mão. A era digital faz-nos pensar no futuro das bibliotecas e na forma de acolher os leitores. As bibliotecas são pilares a preservar, mas ao mesmo tempo há que integrar a era digital.
Adaptando esta rubrica, escrita no Jornal, às novas tecnologias, posso adiantar que em breve incluirá imagem em movimento, ou seja, o leitor poderá acompanhar acontecimentos relevantes tais como a inauguração de uma biblioteca.
Ser patrono de uma biblioteca é uma homenagem que muitas vezes é atribuída a título póstumo, mas quando essa honra é atribuída em vida vale a pena acompanhar o momento único desse patrono que ficará para sempre com o nome no exterior da biblioteca e para sempre na memória dos que o lêem.
Para comemorar o Dia da Liberdade poderá acompanhar no dia 25 de Abril a atribuição do nome de um autor de relevância nacional a uma biblioteca portuguesa. Basta seguir o nome desta rubrica “Bibliotecofilia” nas Redes Sociais (Instagram ou Tiktok).
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
*Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Programadora Cultural
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