A União Europeia está a preparar uma transformação profunda na forma como os cidadãos constroem a sua reforma futura, com um pacote de recomendações que promete alterar hábitos de poupança em toda a região. O plano, apresentado pela Comissão Europeia, prevê novas ferramentas digitais, mais simplicidade e mecanismos automáticos que, na prática, poderão garantir uma poupança complementar quase inevitável para quem trabalha.
De acordo com a própria Comissão Europeia, estas orientações surgem no âmbito da União de Poupança e Investimento (SIU), coordenada pela comissária Maria Luís Albuquerque, que tem liderado vários esforços para aproximar os europeus dos instrumentos de poupança e investimento. A intenção é clara: reforçar a sustentabilidade financeira das reformas num continente cada vez mais envelhecido.
Portal único para consultar toda a carreira contributiva
Uma das propostas que Bruxelas coloca em cima da mesa é a criação de um sistema digital que permita a qualquer cidadão consultar, num único portal, todos os direitos de pensão acumulados ao longo da vida. Segundo a Comissão Europeia, esta visão consolidada inclui carreiras feitas em diferentes países ou regimes, algo que, explica a instituição, continua hoje disperso e difícil de consultar.
A ideia é garantir transparência e facilitar o planeamento financeiro, retirando um dos maiores obstáculos à literacia sobre pensões: a falta de informação integrada.
Dashboards para monitorizar a saúde dos sistemas
Outra peça central do pacote é a criação de dashboards que permitam aos governos acompanhar, em tempo real, indicadores como cobertura, sustentabilidade e adequação das pensões. Segundo a mesma fonte, estes mecanismos tornariam possível identificar problemas antes de se tornarem estruturais.
Especialistas citados pela Comissão Europeia têm alertado que esta avaliação contínua foi “negligenciada durante décadas”, dificultando reformas baseadas em dados robustos.
Inscrição automática em planos complementares
A medida mais disruptiva, de acordo com a publicação oficial, é a introdução da inscrição automática em planos de pensões complementares. Tal como sucede no Reino Unido e na Nova Zelândia, e como acontecerá em breve na Irlanda, a adesão passa a ser a regra, não a exceção. O trabalhador poderá sair, mas só se o fizer dentro de prazos definidos.
Segundo a Comissão Europeia, este sistema aumenta de forma significativa a participação, sobretudo entre quem tende a adiar decisões de poupança. Para atenuar resistências, Bruxelas recomenda que as contribuições comecem em valores baixos, aumentando de forma gradual.
Mais simplicidade, menos escolhas
Bruxelas acredita que o excesso de opções de investimento nos planos complementares tem tido o efeito inverso ao pretendido. Por isso, defende soluções padrão com poucas alternativas adicionais. A ideia, explica a publicação, é reduzir a complexidade e evitar que a indecisão impeça os trabalhadores de avançar.
Incentivos fiscais e poupanças sem fronteiras
O pacote inclui também recomendações para criar incentivos fiscais, tanto para trabalhadores como para empresas. Entre as propostas estão deduções no rendimento coletável e benefícios para empregadores que contribuam para planos complementares.
Outro ponto sublinhado pela Comissão Europeia é a necessidade de garantir que estes benefícios não se perdem quando o trabalhador muda de emprego ou de país: uma questão relevante para países como Portugal, onde a mobilidade laboral é elevada.
Inclusão de independentes e vínculos atípicos
Bruxelas defende igualmente que os critérios de elegibilidade devem abranger trabalhadores independentes e pessoas com vínculos atípicos. De acordo com a Comissão Europeia, este deverá ser um mecanismo universal e flexível, adaptado às novas realidades do mercado laboral.
Parcerias sociais mantêm-se centrais
A Comissão Europeia sublinha que estas recomendações não pretendem substituir sistemas já existentes, como os fundos de pensões ocupacionais acordados entre parceiros sociais. O objetivo, segundo a publicação europeia, é complementar, e não desvirtuar, os modelos nacionais.
Um caminho longo, mas decisivo
Com rastreamento integrado, dashboards e inscrição automática, Bruxelas acredita estar a lançar as bases para uma reforma estrutural no modo como a Europa encara a poupança para a velhice. Porém, lembra que estas recomendações são apenas o início. Caberá agora aos Estados-membros adaptar e negociar o modelo, num processo que será “longo e exigente”, dadas as diferenças económicas e demográficas entre países.
No horizonte está uma União Europeia onde a poupança para a reforma deixa de ser uma decisão opcional e passa a ser um percurso quase inevitável, e potencialmente mais robusto.
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