A discussão sobre a reforma antecipada voltou a ganhar força em Espanha, depois de um dos maiores sindicatos do país ter pedido ao Governo que retire as penalizações aplicadas a trabalhadores expostos a risco elevado. A decisão poderá influenciar Portugal, onde o tema começa a surgir de forma tímida, mas com impacto direto em milhares de profissionais.
As reivindicações espanholas partem da UGT-FICA, que representa trabalhadores da indústria, construção e agricultura. O sindicato abriu um processo formal para exigir que determinadas profissões possam aceder à reforma antecipada sem cortes, alegando condições “excecionalmente penosas, perigosas e insalubres”.
O pedido tem como base um decreto recente que permite acelerar o acesso à pensão sempre que existam riscos comprovados para a saúde.
Exposição a sílica volta ao centro do debate
Segundo a federação sindical, citada pelo portal espanhol Noticias Trabajo, os profissionais ligados ao corte, polimento e transformação de pedra, sobretudo os que trabalham com pedra artificial e materiais ricos em sílica, enfrentam níveis de risco muito superiores ao desejável. A exposição prolongada ao pó fino de sílica é oficialmente reconhecida como cancerígena e associada a silicoses graves.
A investigação citada pelo sindicato revela que a incidência desta doença profissional cresceu de forma significativa ao longo dos últimos anos. Entre 1990 e 2023, metade dos casos identificados em Espanha surgiu neste setor em particular, um valor que tem surpreendido especialistas em saúde ocupacional.
Um setor com números preocupantes
Nos trabalhos de corte e acabamento de pedra, os dados são ainda mais expressivos: mais de 90% dos casos de silicoses registados entre 2020 e 2023 dizem respeito a estes profissionais. Esta realidade tem sido usada como argumento central para justificar o acesso à reforma antecipada sem penalizações.
Paralelamente, o sindicato defende que existem casos reais de incapacidade prolongada, reformas forçadas e longos tratamentos respiratórios que comprovam a necessidade de rever o sistema atual. Estes profissionais, sublinham, acabam muitas vezes por deixar o trabalho antes do tempo devido a problemas de saúde causados pelo próprio ambiente laboral.
Espanha quer mudanças sem atrasos
Com base nisto, e de acordo com o Noticias Trabajo, a UGT-FICA pediu ao Ministério da Segurança Social espanhol que analise a viabilidade imediata de aplicar coeficientes que reduzam a idade legal de reforma nestas atividades. Em causa está o direito a uma pensão completa, mesmo quando a saída do mercado laboral ocorre anos antes da idade habitual.
Enquanto o processo decorre, o sindicato reforça que as empresas têm obrigação legal de melhorar condições de trabalho, mas alerta que, mesmo com sistemas de extração de poeiras mais modernos, o risco não desaparece totalmente.
E em Portugal?
Embora o fenómeno seja menos falado, Portugal tem setores com problemas semelhantes. Profissionais do mármore e granito no Alentejo, trabalhadores de pedreiras e algumas indústrias ligadas à cerâmica e ao cimento enfrentam riscos associados à sílica respirável.
Apesar disso, o acesso à reforma antecipada no nosso país continua bastante restrito e, na maioria das vezes, sujeito a penalizações significativas. As exceções abrangem apenas algumas profissões muito específicas, e a lista não tem sofrido atualizações relevantes nos últimos anos.
O que pode mudar no futuro
Se Espanha avançar com esta medida, o debate poderá rapidamente atravessar a fronteira. Setores portugueses já demonstraram interesse noutros momentos, sobretudo quando surgiram casos de doenças profissionais graves associadas ao trabalho com pedra e cerâmica.
À medida que a discussão ganha visibilidade na Península Ibérica, cresce a pressão para que Portugal acompanhe a tendência e reveja a lista de profissões com acesso à reforma antecipada. Para muitos trabalhadores, essa poderá ser a diferença entre manter a saúde ou prolongar a carreira para garantir uma pensão completa.
Enquanto aguardam decisões espanholas, os sindicatos portugueses observam com atenção. Se a mudança acontecer no país vizinho, é provável que surja uma nova onda de reivindicações por cá, e o tema poderá chegar rapidamente à agenda política.
















