- Por Maria João Pereira, da agência Lusa
O especialista em transportes Manuel Tão considerou que a Infraestruturas de Portugal (IP) não tem vocação para executar “qualquer tipo de programa de investimento ferroviário”, considerando-a “um organismo pesado, inoperante e predominantemente rodoviário”.
Em entrevista à agência Lusa, a propósito do Plano Ferroviário Nacional, cujo período de consulta pública termina no final do mês, o especialista em transportes da Universidade do Algarve comentou também o programa de investimentos Ferrovia 2020, que tem uma previsão de conclusão no último trimestre deste ano, isto é, com um atraso de mais de dois anos.
“O gestor desse projeto [Ferrovia 2020] é um organismo, que são as Infraestruturas de Portugal, [que] resultam da absorção daquilo que era a REFER, a Rede Ferroviária Nacional, pelas Estradas de Portugal, portanto as infraestruturas de Portugal são um organismo pesado, inoperante e predominantemente rodoviário. Não têm cultura, sequer, do transporte público e não têm vocação para levar a efeito qualquer tipo de programa de investimento ferroviário, para que seja levado a sério”, apontou.
Segundo Manuel Tão trata-se de um caso “quase único na União Europeia”, onde os Estados-membros têm organismos de gestão e investimento da rede ferroviária, que são gestores de infraestrutura ferroviária e que estão “devidamente separados” dos setores rodoviários.
“Os atrasos que nós temos e até o risco de perda de fundos europeus resulta não apenas de uma decisão de um programa que foi mal feito, mal concebido, com pressupostos completamente errados, mas também, e pior ainda, de um gestor que não está institucionalmente adequado para levar a efeito investimentos ferroviários em Portugal”, argumentou.
Adicionalmente, o Ferrovia 2020, explicou, foi “repescado” do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas 2015-2020 (PETI3+), concebido pelo Governo em funções durante o resgate da economia portuguesa por parte da ‘troika’ e que preconizava uma ferrovia mínima em Portugal e dedicada sobretudo as mercadorias.
“Isto num país que não é propriamente um país industrial, nem é uma grande frente portuária e é sobretudo um país de turismo e de serviços”, realçou.
Questionado sobre a questão da bitola (largura determinada pela distância entre as faces interiores dos carris), que em Portugal funciona à medida ibérica (1.668 mm), mas há quem defenda a passagem para bitola internacional (1.435 mm), Manuel Tão defendeu que “o melhor para o país é o que é melhor para Espanha”.
“A questão da bitola é um falso problema, porque, para já, nós temos que perguntar para que queríamos nós a bitola europeia? […] Não transitam mercadorias na linha de bitola europeia que existem em Espanha”, apontou, lembrando que 70% das trocas de mercadorias se fazem com Espanha e os outros 30% com França.
No caso, por exemplo, do comboio de mercadorias que sai dos terminais da Bobadela, Loures, e demora 60 horas para chegar a Manheim, na Alemanha, procede-se a uma troca de eixos dos vagões na fronteira dos Pirenéus, para que possa prosseguir viagem a uma bitola diferente, numa operação que dura duas horas.
“O que é que a diferença entre uma viagem de 60 horas e outra de 58 horas influi na captação de cargas e de clientes? […] Se forem capazes de demonstrar que isso, de facto, é significativo e trará retorno em termos de investimento, muito bem, mude-se a bitola toda, que são vários milhares de milhões [de euros]”, considerou.