Eram esperados anos de ouro para o turismo, após o crescimento em escalada de 2017 a 2019. Em vez disso, o mundo foi surpreendido por um vírus que virou tudo do avesso, obrigando a paralisar cidades e toda a florescente indústria de viagens, hotéis, cruzeiros ou casinos. “Nem vale a pena fazer contas ao que se perdeu, foram dois anos para esquecer, agora é olhar em frente”, considera Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo Vila Galé, fazendo eco do sentimento generalizado na hotelaria nacional.
Mas fazendo contas ao que se perdeu no turismo, o sector mais castigado pela pandemia do coronavírus, quanto custou a Portugal esta crise sanitária em 2020 e 2021? “Arriscamos que a perda de receita dos empreendimentos turísticos em Portugal foi de 6 mil milhões de euros desde março de 2020”, avança Eduardo Abreu, sócio da Neoturis, consultora especializada em turismo.
Estes cálculos da Neoturis também assumem que “em 2020 e 2021 cresceríamos 4% a cada ano face a 2019, e que haveria condições para melhoria de preço”, segundo explicita o consultor.
A realidade é que se Portugal atingiu 70 milhões de dormidas turísticas no ano pré-covid, em 2020 e 2021 não foi além dos 63 milhões. “Nestes dois anos juntos, o valor foi menor que em 2019. Se somarmos a isto restaurantes, agências de viagens, shoppings, rent-a-car, etc, percebe-se como o impacto foi de uma dimensão brutal”, nota o especialista em turismo.
“Passámos da maré cheia à maré vazia”, resumiu a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, no congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) que decorreu em dezembro, lembrando que o sector gerou em 2019 um resultado líquido positivo de mais de 1000 milhões de euros, que em 2020 passou a 1500 milhões de euros negativos.
O primeiro ano de pandemia foi o mais penalizador para o turismo, com o número de dormidas no país em 2020 a ficar 63% abaixo de 2019. Em 2021, esta quebra foi de 47% face aos níveis pré-covid. “Sendo um ano ainda mau, já se subiu 45% face a 2020, o que é um belo salto”, destaca Eduardo Abreu.
“Depois de dois anos muito agitados e imprevisíveis, o turismo em 2022, no que toca à pandemia, tende a aproximar-se dos valores de 2019”, adianta o consultor da Neoturis, frisando que a recuperação será mais rápida em destinos de resort, como Madeira e Algarve, e mais lenta em cidades como Lisboa e Porto, “mais dependentes do segmento de negócios, seja de viajantes individuais ou para congressos”.
Tendências no pós-covid: o distanciamento vai-se manter?
Rotinas associadas aos tempos mais duros de covid, como as pessoas quererem estar isoladas ou manterem distanciamento de vários metros entre si, tenderão a esbater-se, na perspetiva de responsáveis do sector.
“Não vejo uma mudança radical no perfil de consumo, naturalmente haverá tendência para algumas franjas de mercado continuarem a preferir hotéis com espaços ao ar livre e piscinas com dimensão, mas as coisas têm vindo a normalizar, e está a ultrapassar-se esta ideia dos últimos dois anos de que nunca mais podemos estar juntos”, salienta Eduardo Abreu.
Também Cristina Siza Vieira, vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), considera que “numa primeira fase, os hotéis vão perceber que há um ‘mix’ de clientes com algumas pessoas que, no imediato, têm no pensamento os comportamentos associados à pandemia, questões de distanciamento, etc, mas a expectativa é que isto volte quase a ser como era, pode permanecer é mais algum tempo”.
O consultor da Neoturis nota que quem está a desenvolver de momento projetos turísticos de grande dimensão, como resorts, está “a dar mais atenção às áreas públicas e aos espaços ao ar livre face ao que era habitual”, até para permitir um melhor controle de circulação de pessoas em caso de futuras epidemias. “Mas são ajustes, os promotores não estão a mudar significativamente a arquitetura ou a estrutura dos projetos”, refere.
Uma tendência que se perfila para ficar é a procura crescente pelo interior. “Nestes ultimos dois anos, ao procurarem destinos menos massificados, muitos turistas acabaram por conhecer zonas e unidades hoteleiras que desconheciam, onde tendem a voltar, e estas ofertas estão a afirmar-se por via da procura que houve durante a pandemia”, salienta Eduardo Abreu.
“Saimos desta crise pandémica com duas realidades que terão impacto negativo nas contas de exploração dos hotéis”, adverte o consultor, enfatizando os aumentos de custos com energia e com pessoal. “Não está fácil arranjar pessoas para trabalhar no turismo nas condições que o mercado está a oferecer”, faz notar. “E os custos que dispararam significativamente nos últimos dois anos, nomeadamente com energia, tenderão a ser incorporados nos preços. Numa altura de grande competitividade entre destinos, em que os hotéis querem recuperar, a equação começa a ser complicada”.
Mas olhando o lado positivo, Cristina Siza Vieira destaca que os hotéis aprenderam a fazer uma gestão mais eficiente dos recursos e que “estão mais bem preparados para situações em que é necessário alterar prestações de serviço, como por exemplo adaptar quartos a escritórios se for preciso, e sem grandes custos”. A responsável da associação lembra que, por força das circunstâncias, “a operação dos hotéis acabou por ficar mais enxuta”, deixando de haver lugar “às bizarrias do tudo se paga”.
Também o tema das alterações climáticas é destacado pela responsável da AHP. “Muitas viagens que se faziam só porque sim, vão deixar de se fazer. É uma alteração grande no segmento de negócios, e mexe sobretudo com os hotéis de cidade”.
2022 vai ser o ano da retoma?
Com o levantar das restrições associadas à covid-19, é esperado este ano um regresso em força dos turistas estrangeiros, e nos principais destinos de férias nacionais, como o Algarve e Madeira, as reservas para a época alta, a partir da Páscoa, estão a níveis idênticos, ou em alguns casos acima de 2019, que foi o melhor ano de sempre para o turismo português.
“A nossa perspectiva é que 2022 vai ser o ano da retoma, e que já consigamos atingir os resultados de 2019”, sustenta a vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, referindo haver “notícias positivas do lado da procura por viagens, e com um bom índice de poupança no mundo por força da reclusão das pessoas”.
Mas a situação voltou a agitar-se com uma guerra em plena Europa, que é acompanhada “com preocupação”, e apesar de não se registarem até à data impactos diretos na Madeira ou no Algarve, os cancelamentos no turismo serão inevitáveis se o conflito armado da Rússia na Ucrânia se prolongar.
“O turismo russo para o Algarve não tem expressão. E não temos ‘feedback’ no sentido de haver cancelamentos de outros mercados”, adianta Helder Martins, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). O efeito mais sentido foi na rota de Kiev para Faro, com voos programados para julho, agosto e setembro do operador ucraniano Sky Up, que devido às circunstâncias atuais já não se vai poder concretizar.
Na Madeira, “não temos neste momento conhecimento de impacto direto” com cancelamentos de turistas ‘assustados’ com a situação de guerra, adianta Jorge Veiga da França, presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF) – advertindo que “há uma preocupação, ninguém sabe o que vai acontecer, e a continuar em escalada pode vir a suscitar problemas em alguns mercados emissores para a Madeira”.
Já afetada, foi a operação que estava a ser desenvolvida “numa estratégia de diversificação” para trazer cerca de 14 mil turistas russos e ucranianos à Madeira, envolvendo a TUI Rússia, que estava “no início” e teve de ser suspensa. “Mas o que foi afetado é a propensão ao crescimento, com uma aposta que não se vai poder concretizar”, nota o presidente da ACIF, lembrando que as perspetivas se mantêm elevadas para a Madeira, que já no ano passado atingiu os níveis pré-pandemia, totalizando 695 mil turistas e 3,2 milhões de dormidas.
“O que tememos são as consequências indiretas que este cenário de guerra pode trazer à Europa toda, se a situação inflacionista se agravar. Neste momento é cedo para previsões, e vamos esperar que as coisas se componham para podermos atingir o que era esperado”, conclui Jorge Veiga da França.
Frisando ser difícil adiantar o que pode resultar do conflito armado na Ucrânia, Eduardo Abreu salienta que “no curtíssimo prazo, temos os europeus a quererem muito viajar, e se a guerra continuar confinada aquela zona, admito que haja países próximos a sofrer mais impactos, como é o caso da Turquia”.
“Começamos a chegar ao verão, a partir de março as perspetivas para o nosso turismo mantêm-se elevadas. À data de hoje, não vejo razão para não manter previsões de ser um ano de retoma para Portugal”, conclui.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL