Pão de alfarroba, bolachas de alfarroba, bola de Berlim de alfarroba, torta de alfarroba, creme de alfarroba, tabletes de alfarroba, farinha de alfarroba, xarope de alfarroba… com muitas utilizações, o fruto adocicado nascido nas alfarrobeiras algarvias voltou a ganhar o estatuto de tesouro nesta região. De acordo com a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, “o fruto é uma vagem (acastanhada, quase preta, quando madura) em forma de silíqua, comprimida, coriácea, indeiscente, de 10 a 30 cm de comprimento”. A mesma fonte afirma que a sua origem se situa, provavelmente, “nas zonas costeiras do Médio Oriente, de onde se estendeu para o Ocidente”. Na Península terá sido introduzida pelos Árabes”.
De elevado valor nutritivo, é apanhada no verão e utilizada da semente à vagem. João Currito, algarvio e CEO da Carob World, marca que desenvolve produtos à base deste fruto, explica que “da semente, que vale cerca de 10% do peso do fruto”, faz-se a goma, que é vendida para a indústria alimentar e farmacêutica; a vagem, “que é a cadeia de valor onde estamos, ainda vai, maioritariamente, para fazer rações para animais”.
E com os anos tem valorizado. “Há sete ou oito anos, quando comecei, uma arroba [15 kg] de alfarroba andava na casa dos €5. Agora está nos 30. As alfarrobeiras não precisam de manutenção. São árvores de sequeiro, que resistem muito bem à falta de água. ” E os roubos constantes não têm facilitado a vida aos produtores. “Aquilo que havia antes, mas em surdina, nos últimos anos começou a ser um problema”, conta.
Bem-vindos ao mundo da alfarroba
“Portugal é um dos maiores produtores mundiais de alfarroba”, um produto do Algarve “historicamente negligenciado”, diz, por ter sido alimento “de porcos e de pobres”. Entre 2013 e 2014, numa viagem de trabalho, cruzou-se com “uma espécie de bombom” de alfarroba e imediatamente teve a ideia de aplicar a matéria-prima a outras finalidades. Depois de alguma pesquisa, concluiu que não existia “nada do género” e que estava a trabalhar em inovação. “Do Tejo para cima, a percentagem de pessoas que já ouviu falar de alfarroba é muito pequena.”
Olhar para cada país, região, localidade, avaliando e apoiando as suas necessidades específicas na produção alimentar é uma das diretrizes da Política Agrícola Comum, com especial foco no quadriénio 2023-2027. A inovação na agricultura e na transformação, constitui um dos grandes objetivos do novo plano que apoia a produção agrícola a partir do próximo ano, incentivando a adoção de novas tecnologias quer na produção, quer na transformação dos produtos.
“Fizemos o projecto de investigação com a Universidade do Algarve, passámos pela fase de industrialização, tentámos ir ao mercado arranjar financiamento, o que falhou redondamente porque não há investidores para suportar startups industriais que exijam capital intensivo – estamos a falar de um projeto com um milhão e meio de investimento.” A 25 de Abril de 2019, depois de todo o processo de criação e desenvolvimento da marca, os produtos da Carob World foram oficialmente lançados na loja online. “Foi o dia da revolução da alfarroba”, brinca.
Hoje, a Carob World (Tel. 289112327) está também presente nos aeroportos, algumas áreas de serviço e lojas gourmet e de produtos regionais espalhadas pelo país, já que o posicionamento é também focado no mercado internacional. “Já fizemos as primeiras exportações para uma dúzia de países”, como Estados Unidos da América, Coreia do Sul, Japão e Austrália, entre outros.
A proteção de alimentos endógenos e tradicionais, a inovação e a sustentabilidade integram o Plano Estratégico da PAC – Política Agrícola Comum para 2023-2027 que apoia diversos projetos em Portugal.
Uma matéria-prima, múltiplos produtos
As tabletes e os cremes para barrar (alfarroba e amêndoa e alfarroba, amêndoa e leite) foram os primeiros produtos a ser comercializados pela Carob World, pouco antes da farinha de alfarroba. “Já havia no mercado e as pessoas pediam”, explica. “No ano passado, lançámos o xarope de alfarroba”, focado nos mercados árabes, onde têm o costume de utilizar produtos do género para “adoçar o chá ou fazer bolos”. Completamente “alinhado com as tendências nutricionais”, está, de forma gradual, a ocupar o seu lugar no mercado.
No futuro, a missão como empresa é muito clara: “se for produto de alfarroba, estamos interessados em fazer”, afirma. “A alfarroba é um produto muito flexível e o objetivo é criar um portfólio de produtos de qualidade e levá-lo para o mundo”.
Alfarroba na alta-cozinha
Árvore amiga do ambiente, ajudando no resgate de carbono e, cada vez mais, símbolo de sustentabilidade e emblema do barrocal algarvio, é da alfarrobeira que se colhe o fruto entre agosto e setembro. O uso da farinha popularizou a alfarroba, fruto muito rico em açúcar, proteína e galactomananos, com destaque para o pão e os doces algarvios. As características também atrairam diversos chefs de cozinha, como Rui Silvestre. O responsável pelo restaurante Vistas – Rui Silvestre, em Castro Marim, premiado com um Garfo de Ouro e uma Estrela Michelin, usa o fruto nos menus degustação. “A nossa sobremesa do menu Fauna e Flora é quase um tributo à alfarroba, um produto que foi trazido pelos árabes e isso tem muito a ver com a nossa cozinha. Apresentamos uma base de tarte de alfarroba, com mousse de cevada, chocolate, cacau e gelado de cardamomo, a especiaria que liga à nossa diáspora. Finalizamos o prato já na mesa com molho de chocolate quente”, explica Rui Silvestre.
“Da terra à mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante.
A sustentabilidade social, ambiental e económica na agricultura e nas zonas rurais são linhas orientadoras da PAC que, em Portugal, tem como objetivos principais valorizar a pequena e média agricultura, apostar na sustentabilidade do desenvolvimento rural, promover o investimento e o rejuvenescimento no setor agrícola a a transição climática no período 2023-2027.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL