As conclusões divulgadas esta segunda-feira pelo Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) provêm da análise da composição química do esmalte de dentes fósseis provenientes das escavações junto à nascente do rio Almonda, na região de Terras Novas, e permitem perceber o território percorrido pelos seus detentores.
O estudo revela assim “conclusões precisas sobre o modo de vida, a territorialidade e a subsistência das populações que habitaram o território português durante a última glaciação, entre há cerca de 100 000 e há cerca de 10 000 anos”.
Desenvolvido no sistema de jazidas arqueológicas associado à nascente do rio Almonda, perto de Torres Novas, no distrito de Santarém, por investigadores do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, e das universidades de Trento (Itália) e Southampton (Reino Unido), o estudo foi publicado na The Proceedings of the National Academy of Sciences, revista oficial da Academia das Ciências dos Estados Unidos.
“O estudo representa um marco de grande importância para a Arqueologia, demonstrando como, mesmo para épocas muito remotas, existem hoje técnicas científicas que permitem abordar a vida das pessoas à escala do indivíduo, não apenas à da população”, realça o UNIARQ.
Os investigadores analisaram a composição química do esmalte dos dentes fósseis de humanos e de animais provenientes das escavações na nascente do rio Almonda, que vêm sendo realizadas desde 1988, afirma o UNIARQ.
Os arqueólogos usaram uma técnica que recorreu à amostragem por laser, “que permite colher e medir amostras ao longo de milhares de pontos selecionados segundo o eixo de crescimento da coroa do dente”.
No tocante aos fósseis humanos, as amostras foram obtidas a partir de dois dentes de neandertais do Paleolítico Médio, com cerca de 95.000 anos, encontrados na Gruta da Oliveira, e um do final do Paleolítico Superior, com cerca de 13.000 anos, encontrado na Galeria da Cisterna.
“Utilizando a mesma técnica, analisaram-se os isótopos do estrôncio no esmalte dentário de restos de rinoceronte, cavalo, veado e cabra-montesa procedentes das duas jazidas e ainda de outra pertencente ao mesmo sistema, a Lapa dos Coelhos”.
Quanto aos restos de caça, “mediram-se também os teores em isótopos de oxigénio, os quais variam sazonalmente, do verão para o inverno”.
Assim, segundo a mesma fonte, foi possível determinar onde os animais andaram, e estabelecer em que época do ano frequentaram os diferentes territórios de pastagem.
“Os resultados obtidos mostram que, no caso dos neandertais de há cerca de 95.000 anos, a cabra-montesa era caçada no verão, ao passo que o cavalo, o veado e o rinoceronte estavam presentes num raio de 30 quilómetros ao redor onde puderam ser caçados ao longo de todo o ano”.
No caso do indivíduo do final do Paleolítico Superior, com cerca de 13.000 anos, “a subsistência era obtida numa área mais restrita – os cerca de 20 quilómetros da margem direita do rio Almonda, entre a nascente e a confluência com o Tejo – e o lugar de residência alternava sazonalmente entre estes dois pontos extremos do território”.
Veado e cabra-montesa eram a caça principal
A caça principal era o veado, mas também a cabra-montesa, em quantidade importante. Apanhavam-se ainda pequenas presas como o coelho e peixes de água doce, como o sável.
Nesta época, a tartaruga-terrestre, muito consumida pelos neandertais, já se encontrava extinta nas regiões portuguesas, pelo que não aparece no menu, refere o comunicado.
“É provável que a diferença no tamanho do território entre os neandertais do Paleolítico Médio e os magdalenenses do final do Paleolítico Superior esteja relacionada com a demografia. Com uma densidade populacional mais baixa, os neandertais podiam dispor de territórios mais vastos. No Magdalenense, o aumento da densidade populacional obrigou os grupos humanos a extrair a sua subsistência no interior de territórios mais pequenos, e daí o facto de passarem a ter sido explorados de forma mais intensiva as pequenas presas e o peixe de rio”, explica João Zilhão, coautor do artigo, citado pelo UNIARQ.