O ‘graffiti’, primeira ligação de Nuno Viegas ao mundo das Artes, é o elemento central no trabalho e na exposição que o artista português inaugura esta sexta-feira em Lisboa, composta por obras novas de pintura, escultura e ‘origami’.
Em “Getting Up”, que é inaugurada às 18:00 na galeria Underdogs, Nuno Viegas decidiu fazer “uma recapitulação” do trabalho que tem desenvolvido nos últimos anos.
“Tenho vindo a trabalhar sobre ‘graffiti’ e sinto que ainda há muito para explorar nesta área. É um desafio muito grande continuar a bater sempre no mesmo tema, mas apresentar peças diferentes, com toques novos. Também abracei um pouco esse desafio”, contou à Lusa, numa visita à exposição.
A ‘entrada’ de Nuno Viegas no mundo das Artes aconteceu em 1999, aos 14 anos, em Quarteira, no Algarve, através do ‘graffiti’. O artista é um dos fundadores do coletivo Policromia Crew.
Já o percurso escolar foi-se desenvolvendo na área da Informática, até Nuno Viegas perceber, ao fim de quatro anos de faculdade, que o caminho não era por aí. Acabou por tirar uma licenciatura, uma pós-graduação e um mestrado na área das Artes Visuais, sempre no Algarve.
“Mas nunca fiz pintura. Sempre estive mais ligado ao vídeo, fotografia e instalação. Pintura era mesmo só ‘graffiti’. E pintava letras, nada figurativo”, recordou.
Em 2014, “encorajado por uma amiga”, acabou por sair de Portugal. “Fui para Roterdão [nos Países Baixos], um pouco ‘ao calhas’, juntei dinheiro e fui, sem grandes planos e perspetivas”, contou.
Cerca de dois meses depois de se instalar, começou a estagiar com um artista local, Tymon de Laat, e foi com ele que percebeu que “tinha um ‘skill’ [aptidão para algo, em português]”.
Pouco depois estava a fazer peças para os museus de arte urbana STRAAT, em Amesterdão e Urban Nation, em Berlim.
A rede social Instagram ajudou a que o seu trabalho fosse sendo partilhado e a dada altura entrou ‘no radar’ de Giancarlo Petrucci, fundador da Graffiti Prints. “Quando começo a trabalhar com eles comecei a fazer de facto dinheiro com a minha arte”, disse.
E foi assim que Nuno Viegas passou de “um ‘zé-ninguém’ para alguém com nome” e com “muitas pessoas” a olharem e a quererem comprar o seu trabalho.
“Foi algo muito súbito, que aconteceu naturalmente e gerou uma bola de neve, indestrutível espero eu”, partilhou.
Ao fim de cinco anos em Roterdão, em 2019, decide voltar para Quarteira. A carreira tinha chegado um ponto em que “era quase indiferente estar cá ou lá”, e no Algarve “é onde está a família, amigos, namorada”.
Por cá, continuou a desenvolver a linha de trabalho que começou em Roterdão. “Já tenho alguns elementos que têm o meu cunho, que fazem parte da minha identidade”, referiu.
Esses elementos, como a máscara de t-shirt, as luvas de látex, as coroas ou os ‘caps’ das latas de ‘spray’, podem ser encontrados nas peças em exposição na Underdogs, que foram sendo criadas ao longo do último ano.
A máscara com a t-shirt, que faz com que as figuras humanas não tenham rosto, aponta para uma das características do ‘graffiti’, “omitir a identidade”. A luva de látex, funciona também como “‘omissor’ de identidade’ e omissor de ‘prova do crime’”.
A coroa remete para o ‘king’ (rei em português). “Na comunidade do ‘graffiti’ há muito a coisa de ser ‘king’. Querer evoluir, ter notabilidade por pintar bastante, por ter o melhor estilo. Há pessoas que se focam nisso e trabalham duro para chegar a esse estatuto”, lembrou.
Nuno Viegas salienta que o estatuto de ‘king’ nas ruas não traz benefícios monetários e, para o artista, esse “é um dos exemplos que o ‘graffiti’ dá para a Humanidade”.
“Estas pessoas correm atrás de algo que não lhes vai dar nada, não vão ganhar dinheiro com isto. Se tanto, vão gastar imenso dinheiro. Tudo o que vão colhendo, neste caminho para chegar à coroa, são os momentos com os amigos, os momentos sozinhos, de autorreflexão, de prazer que têm em fazer aquilo. A força motriz não é o dinheiro”, referiu.
A exposição “Getting Up” “é também um tributo a essas pessoas, por manterem o ‘graffiti’ como é: nu, cru, tradicional”.
Esse tributo surge na forma de pinturas – “a acrílico, com 90% a pincel e alguns detalhes com aerógrafo” -, coroas e elementos escultóricos em telas.
As coroas, uma ideia que Nuno Viegas já queria “desenvolver há algum tempo”, são origamis criados a partir de serigrafias, “de um ‘layer’ sobre papel dourado”. “É tudo dobrado à mão e não há duas com padrão igual”, disse.
Com estas peças, através da serigrafia, Nuno Viegas traz “uma pintura para o mundo real, a três dimensões (3D)”. Isto porque a coroa é um dos elementos gráficos noutras obras.
Mas há mais coisas que o artista quer “transportar da pintura para o mundo 3D”. Há na mostra um conjunto de cinco telas “com o mesmo personagem, mas mesmas luvas e o mesmo background”, mas na última, o elemento central sai da tela.
Na produção destas peças, Nuno Viegas tem como “grande inspiração e referência” o artista norte-americano Mark Jenkins, “o rei no que diz respeito à instalação de personagens”.
Numa outra peça, “que liga toda a exposição”, está em destaque um ‘throw’ up’ (desenho do contorno de letras em maior dimensão) do ‘tag’ (nome adotado enquanto ‘writer’) de Nuno Viegas, Metis.
“O ‘throw up’ que está aqui é o que faz o padrão de todas as peças que estão na exposição, numas como background, nas coroas desenhado no papel. Todas as peças estão ligadas esteticamente por ele”, explicou.
“Getting Up”, de entrada livre, está patente na galeria Underdogs até 22 de outubro.
Paralelamente, no espaço cápsula da galeria, pode visitar-se a exposição “Distortion”, do artista alemão The Ary of Rage.