A gastronomia portuguesa tem conquistado cada vez mais reconhecimento a nível internacional, sendo apreciada por turistas e especialistas em culinária. Entre os pratos mais icónicos do nosso país, destaca-se o tradicional Cozido à Portuguesa, uma receita rica em sabores e história. Este prato faz parte da ementa dos portugueses há séculos e é considerado um dos mais antigos da nossa gastronomia. No entanto, a sua origem exata continua a ser motivo de debate, levantando a questão: quem terá inventado o Cozido à Portuguesa?
Esta questão levou a Rádio Vale do Minho, citada pelo Ncultura, a consultar especialistas na área da gastronomia e história culinária. No entanto, as conclusões podem não agradar a todos os portugueses. Segundo fontes especializadas, a origem do prato que hoje conhecemos como Cozido à Portuguesa remonta à vizinha Espanha. De acordo com estes especialistas, o prato teria evoluído a partir do “olla podrida”, uma receita tradicional espanhola que era bastante popular nos séculos XVI e XVII. Este prato é inclusive mencionado no célebre livro Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, reforçando a sua importância na cultura espanhola.
No entanto, e apesar desta teoria, há quem defenda que o Cozido à Portuguesa tem origens exclusivamente nacionais. Segundo esta perspetiva, a receita terá surgido em Portugal durante o século XVII, num contexto de dificuldades económicas que afetavam grande parte da população. As famílias mais pobres aproveitavam sobras de outras refeições e juntavam-nas a feijão e legumes da época, criando um prato nutritivo e acessível. A simplicidade desta receita tornava-a ideal para alimentar famílias inteiras com os poucos recursos disponíveis.
Não obstante a possível inspiração na “olla podrida”, a adaptação feita em Portugal resultou numa receita com características próprias, tanto nos ingredientes como no modo de confeção, tornando-a um verdadeiro símbolo da gastronomia nacional.
A primeira referência escrita a um prato semelhante ao Cozido à Portuguesa surge no livro Arte da Cozinha, publicado em 1680 por Domingos Rodrigues, cozinheiro da Casa Real de Portugal. Esta obra, que reúne cerca de 300 receitas da época, menciona a “olla podrida” e descreve a sua composição, que incluía carne de vaca gorda, galinha, perdiz, pombos, coelho, orelheira, chouriços, linguiça, lombos de porco, nabos, alho, grão-de-bico, castanhas, sal e ervas aromáticas. Estes ingredientes conferiam ao prato uma grande riqueza de sabores e texturas, refletindo a influência da nobreza na sua confeção.
Ainda assim, e apesar da descrição detalhada dos ingredientes, Domingos Rodrigues nunca se referiu a este prato como “Cozido à Portuguesa”. A receita era designada pelo nome espanhol de “olla podrida”, o que reforça a tese de que a sua origem pode estar na culinária espanhola. Contudo, ao longo dos anos, a receita foi sofrendo alterações e adaptações em Portugal, acabando por ganhar um caráter mais nacional e diferenciando-se cada vez mais da sua possível inspiração espanhola.
Após a publicação do livro de Domingos Rodrigues, a “olla podrida” começou a espalhar-se pelo território português, tornando-se gradualmente mais popular. Com o tempo, os portugueses foram modificando a receita, tornando-a mais acessível e adequada aos ingredientes disponíveis no país. A versão original era composta por uma grande variedade de carnes, o que a tornava um prato mais frequente nas mesas das famílias ricas. No entanto, a população começou a adaptar a receita às suas possibilidades, utilizando menos carne e dando maior destaque aos legumes e enchidos.
As comunidades mais humildes passaram a preparar o cozido com sobras de refeições anteriores, aproveitando os ingredientes disponíveis de forma económica e sustentável. Assim, o prato foi-se democratizando e tornando-se uma presença habitual na alimentação dos portugueses. Aos poucos, novos ingredientes nacionais foram sendo incorporados na receita, como o salpicão, presunto, toucinho, chouriça de sangue e outros enchidos típicos da nossa gastronomia.
Com estas alterações, o prato foi-se distanciando da versão espanhola e ganhando uma identidade própria, mais ajustada ao gosto português. A fusão entre a tradição e os produtos nacionais acabou por transformar a receita original num prato único e emblemático da cozinha portuguesa. Assim nasceu o Cozido à Portuguesa, tal como o conhecemos hoje: um prato rico, reconfortante e cheio de tradição, que atravessou séculos sem perder o seu lugar na cultura gastronómica nacional.
Independentemente da sua origem, o Cozido à Portuguesa tornou-se um símbolo da identidade culinária do país e continua a ser uma das iguarias mais apreciadas pelos portugueses e por quem nos visita. A sua versatilidade e a forma como se adapta aos produtos locais fazem dele um verdadeiro reflexo da riqueza da gastronomia nacional, perpetuando uma tradição que se mantém viva até aos dias de hoje.
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