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Consultora Filosófica
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O coração arde como chama
que não produz dor
mas felicidade.
María Zambrano
Completamos agora a trilogia de textos sobre a dicotomia razão/coração com um salto para a actualidade. O mundo de hoje é o resultado de um caminho percorrido na esteira platónica que privilegiou o cérebro, a racionalidade, e que deu origem ao método científico que enaltece a objectividade a frieza. O avanço da ciência e da técnica, que permite que desfrutemos dos confortos quotidianos do micro-ondas ao telemóvel, da Tomografia Axial Computadorizada, à exploração do espaço sideral, tudo lhe deve. O papel do cérebro e da razão não oferece dúvidas, mas que pensam os filósofos actuais sobre o coração?
Para a filósofa espanhola María Zambrano (1904-1991) o coração “é como um espaço que dentro das pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juízos e daquilo que pode ser explicado. É amplo e é também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada”. (A Metáfora do Coração). O coração é também a sede da intimidade, consistindo esta “numa interioridade que se oferece para continuar a ser interioridade” pois “somente aquilo que construtivamente é fechado pode ser a sua sede; aquilo que com suprema nobreza pode abrir-se sem deixar de ser cavidade, interioridade que oferece o que era a sua força, o seu tesouro, sem se converter em superfície. Que, ao oferecer-se, não é para sair de si mesmo mas para fazer adentrar-se nele o que vagueia fora”. (ibid). Identificando o coração como sede do sentir, esclarece ainda que temos todas as outras funções psíquicas, mas que somos o que sentimos. O coração é o órgão rítmico por excelência, pulsa, vibra e estabelece a música interior a cujo compasso obedecem todos os outros órgãos a ele ligados.
O coração tem razões que a razão desconhece.
Pascal
Se as razões do coração existem, por que será que as desconhecemos? O filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) considera que tal facto se deve à prevalência do Espírito Geométrico concernente às faculdades do entendimento, objectivas e racionais, em detrimento do Espírito Fino, que se caracteriza por ser uma intuição viva que penetra, de um só olhar, na essência das coisas. Os princípios do Espírito Geométrico estão afastados da utilização comum, no entanto, possuem regras tão bem definidas que só raciocinando mal é que esta classe de saber não se alcança. Com o Espírito Fino acontece o oposto: os seus princípios estão ao alcance do olhar de qualquer um, mas por serem tão subtis e numerosos escapam-se-nos facilmente.
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Uma outra razão é apontada pelo cientista Paul Pearsall (1943-2007): “por vezes o nosso cérebro faz tanto barulho que não conseguimos ouvir o coração; ficamos incapazes de sintonizar com as memórias celulares do ritmo saudável e natural da vida”. (The Heart’s Code).
A sua investigação sobre transplantes de coração trouxe à luz vários casos em que a pessoa que recebe o coração modifica a sua personalidade adquirindo traços, gostos, hábitos e até memórias do seu dador. Tal só é possível porque o coração não é apenas uma máquina de bombear o sangue; o ritmo desse bombear contem energia e informação. O ritmo de um coração particular pode harmonizar-se com o ritmo de outros corações e comunicar.
No sec. XXI promove-se a aliança de ambos órgãos: “O cérebro ressoa com energia bioeléctrica, o sistema circulatório murmura com a pressão crescente do sangue, e o coração situa-se no centro do corpo bombeando não somente o sangue necessário para o nutrir mas também as mensagens bioquímicas do cérebro que nos tornam seres conscientes. Devido à imensa informação-energia posta a circular pelo coração, a alma também é nutrida pelo conhecimento contido no código do coração”. (Ibid)
Recuperar a sabedoria do coração permitiria um modo totalmente novo de viver a vida. Yoga e meditação acalmam o corpo e tranquilizam o cérebro. Com a motivação adequada e um treino perseverante podemos aprender a ouvir a voz do coração!
Estas reflexões continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)