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Aristóteles, o eminente filósofo que foi discípulo de Platão (427-347 a.C), preceptor de Alexandre O Grande e fundador do Liceu de Atenas, nasceu em Estagira em 384 a.C e faleceu em Atenas em 322 a.C. Durante a sua longa vida investigou amplamente sobre os mais diversos temas, desde as ciências naturais à ética, política, retórica, poesia, metafísica e artes. Hoje ocupar-nos-emos de um assunto que lhe era muito caro: a importância e função do coração no ser humano.
O Estagirita distingue três faculdades da alma: a vegetativa, a sensitiva e a intelectual. As plantas possuiriam alma vegetativa, apta apenas para as funções de nutrição, crescimento e reprodução. Os animais irracionais possuiriam tanto alma vegetativa como alma sensitiva, a faculdade responsável pelas sensações e movimentos do corpo. Somente o homem seria dotado de intelecto, “aquela parte da alma que permite conhecer e pensar”. Por este motivo Aristóteles afirma na Metafísica que “todos os homens têm, por natureza, o desejo de saber”. Seria, portanto, de esperar, que o filósofo atribuísse ao intelecto o lugar mais elevado na hierarquia das faculdades e o alojasse no cérebro. Porém, não será assim…
O investigador C. Gross no seu livro Brain, Vision, Memory: Tales in the History of Neuroscience constrói uma tabela onde mostra os argumentos de Aristóteles (adaptado):
Aristoteles afirma em Parva Naturalia que “o cérebro é a parte mais húmida e fria de todo o corpo”. Por esse motivo não poderia alojar a alma. O coração “sendo a mais quente de todas as partes corporais, é o contrapeso do cérebro.” O coração é a sede da alma!
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Olhando para esta tabela é curioso verificar, como a ideia que Aristóteles tinha de que o coração é um órgão afectado pelas emoções e o cérebro não, se mantém até aos dias de hoje. Expressões como “Não te deixes levar pelo coração!” são um bom exemplo disso. Por outro lado, o coração é considerado a fonte de calor do corpo e como estando ligado a “todos os órgãos sensoriais e músculos através dos vasos sanguíneos”. Esta sua dupla condição de calor e conexão torna-o o centro do organismo vivo. Estar em vida é estar ligado, estar ligado é sentir, ter emoções, ter pathos. Em Acerca da Alma, Aristóteles descreve as emoções como movimentos do coração: “entristecer-se, alegrar-se ou discorrer são movimentos, e o mover-se dá-se por acção da alma, por exemplo, encolerizar-se ou ter medo são o coração a mover-se de certa maneira”.
A defesa da objectividade científica, assenta na frieza do cérebro, na sua capacidade de se desligar e de não ser afectado pelas emoções. O entendimento é impassível, é a-pathos. Esta característica foi muito enaltecida nos tempos modernos com o desenvolvimento da ciência e da técnica. A definição do homem como um “animal racional”, colocou o intelecto como nota distintiva da nossa espécie. Foi, portanto, a visão platónica, cerebralista, apoiada nas observações médicas de Hipócrates e seus sucessores que prevaleceu.
No entanto, as neurociências vêm resgatar Aristóteles. O neurocientista português António Damásio no seu famoso livro O Erro de Descartes mostrou como pacientes que sofreram danos cerebrais que não afectaram a sua capacidade de raciocínio mas os tornaram incapazes de sentir ou processar emoções passaram a tomar muito más decisões. Se apenas dispomos da razão para realizar uma escolha, temos de enunciar todos os prós e contras de uma possibilidade. Com a emoção, pelo contrário, há hipóteses que são imediatamente descartadas. A possibilidade de assassinar progenitores ricos para obter a sua herança, por exemplo, provoca tal horror a qualquer pessoa de bem, que nem sequer chega a colocar-se! A visão cardiocentrista de Aristóteles vai tomando cada vez mais relevo nos dias de hoje, à medida que a inteligência emocional, a intuição, e a ternura do coração vêm sendo acolhidas como boas condições para uma vida plena e feliz. Afinal, parece ser que um bom raciocínio requer o conselho das emoções!
Estas reflexões continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro.
(Artigo publicado na última edição do Caderno de Artes Cultura.Sul)