
Na celebração anual da “Festa dos Anos de Álvaro de Campos”, o POSTAL do ALGARVE une-se a esta iniciativa cultural e, em parceria com artistas e associações de Tavira, assinala o “aniversário” de Álvaro de Campos, o mais famoso dos heterónimos do poeta Fernando Pessoa, dedicando diariamente, durante o mês de Outubro, este espaço à divulgação do pensamento e obra Pessoana. E hoje, “O Dia dos Anos”, publicamos o poema “Notas sobre Tavira” e um pequeno texto súmula, elaborado com recurso a vários autores pessoanos, que reportam a ligação do poeta a Tavira:
“Fernando Pessoa criou o seu heterónimo Álvaro de Campos e fê-lo nascer em Tavira a 15 de Outubro de 1890″.
“Álvaro de Campos nasceu em Tavira no dia 15 de Outubro de 1890. É Engenheiro Naval (por Glasgow)….”
Qual a razão para tal “nascimento” se ter dado em Tavira?
Que relação tem Fernando Pessoa com esta cidade?
– Seu avô paterno e irmãos nasceram em Tavira, na Rua do Salto, perto da Igreja do Carmo.
– Seu primo, Jacques Pessoa, tem nome de rua (junto ao rio) e há casas das sua “tias”, (primas), nessa mesma rua, na Praça António Padinha e na quinta na Assêca.
Fernando Pessoa refere a sua relação a Tavira em diversas passagens da sua obra:
“Cheguei finalmente à Villa da minha infância/Desci do comboio, recordo-me, olhei, vi, comparei…. Esta villa da minha infância é afinal uma cidade”.
A sua estadia em casa das “tias” também merece referência:
“na ampla sala de jantar das tias velhas o relógio tictaqueava o tempo mais devagar…”
Fernando Pessoa terá vindo a Tavira diversas vezes, tendo a nossa cidade tido grande importância na vida do poeta, daí que o facto de ter “feito nascer” aqui Álvaro de Campos não seja um mero delírio poético antes o testemunho da sua ligação afectiva à cidade berço de sua família, sobretudo à tia Lisbella (da Cruz Pessoa Machado), que residia no Largo da Alagoa, hoje nº 40, mas tinha também, na Asseca, a quinta da Mesquita, e, em Monte Gordo “também possuía propriedade sua”.
Notas sobre Tavira
Cheguei finalmente á villa da minha infancia.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.
(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).
Tudo é velho onde fui novo.
Dede já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos predios —
Um automovel que nunca vi ( não os havia antes)
Estagna amarello escuro ante uma porta entreaberta.
Tudo é velho onde fui novo.
Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.
A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.
Paro deante da paisagem, e o que vejo sou eu.
Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —
Senhor do mundo —
É aos 41 que desembarco do comboio indolentao.
O que conquistei? Nada.
Nada, aliás, tenho a valer conquistado.
Trago o meu tédio e a minha fallencia physicamente no pesar-me mais a mala…
De repente avanço seguro, resolutamente.
Passou toda a minha hesitação
Esta villa da minha infancia é afinal uma cidade estrangeira.
(Estou á vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)
Sou forasteiro, tourist, transeunte.
É claro: é isso que sou.
Até de mim, meu Deus, até de mim.
(Álvaro de Campos)