Este ano, a FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS propôs às escolas de Tavira que abordassem nas aulas de artes visuais e nas oficinas de gravura, teatro e animação digital o poema Chuva Oblíqua do curto período Interseccionista, mas que Álvaro de Campos considera que é o que há de mais admirável na obra de Fernando Pessoa. O resultado do trabalho será exposto na Casa das Artes de Tavira nas duas últimas semanas da FESTA.

de textos e poemas (Foto João Ribeiro / A|NAFA)
Como já é da praxe, o Postal do Algarve participa da FESTA publicando, ao longo do mês de outubro, uma seleção de textos e poemas relacionados com a temática a cada ano explorada pelos artistas e estudantes envolvidos na realização de cada edição. Depois das ‘Notas sobre Tavira’, marcando a chegada de Álvaro de Campos à cidade, e da ‘Tábua Bibliográfica’ onde o próprio autor se apresenta, poderemos ver, num texto assinado por Álvaro de Campos, uma explicação sobre o interseccionismo, e como ele, Campos, acha que Fernando Pessoa foi influenciado por Alberto Caeiro no desenvolvimento dessa vertente interseccionista.
Também apresentamos a reflexão do próprio Pessoa sobre o intersecionismo e as razões pelas quais decide deixar de explorar tal vertente. Na sequência que propusemos para a programação deste ano vamos da intersecção à interação. Daremos alguns exemplos de cartas e diálogos de amor, como o que acontece no Jardim do Palácio, que está entre as obras inacabadas do Teatro Estático de Fernando Pessoa. Também se publica uma crítica que Álvaro de Campos faz a uma das peças do Teatro Estático (teatro estático é aquele cujo enredo dramático não constitui acção), ‘O Marinheiro’, pois nem sempre a criatura concordava com o criador. Por fim, apresentam-se dez cartas onde F. Pessoa se refere a Álvaro de Campos, uma vezes informando sobre o heterónimo como obra sua, outras vezes interagindo com a sua criação como se criatura vivente fosse.
NOTAS SOBRE TAVIRA. Álvaro de Campos
Cheguei finalmente à vila da minha infância.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.
(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).
Tudo é velho onde fui novo.
Desde já – outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos prédios –
Um automóvel que nunca vi (não os havia antes)
Estagna amarelo escuro ante uma porta entreaberta.
Tudo é velho onde fui novo.
Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.
A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.
Paro diante da paisagem, e o que vejo sou eu.
Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos – Senhor do mundo –
É aos 41 que desembarco do comboio [indolentão?].
O que conquistei? Nada.
Nada, aliás, tenho a valer conquistado.
Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala…
De repente avanço seguro, resolutamente.
Passou roda a minha hesitação
Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira.
(Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)
Sou forasteiro tourist, transeunte.
E claro: é isso que sou.
Até em mim, meu Deus, até em mim.
8-12-1931
(Álvaro de Campos – Livro de Versos. Fernando Pessoa)
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2019 decorre até ao próximo dia 30 de Novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI.
(CM)