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Sociólogo e membro da Direção da AGECAL
O direito à cultura possui uma dupla dimensão, individual e colectiva, e hoje uma importância fulcral. No mundo crescem tendências autoritárias, comportamentos não democráticos em lideranças e grupos, alcançado o poder suspendendo ou banindo direitos fundamentais.
A liberdade de expressão do pensamento e de criação intelectual, a liberdade dos povos à expressão da sua própria cultura, estiveram historicamente sujeitos a condicionamentos.
O direito à cultura, tal como hoje é entendido, resulta da evolução das sociedades e da implantação de sistemas políticos democráticos em várias outras regiões do mundo, obtendo expressão institucional e jurídica sobretudo após o surgimento da ONU e da criação de uma estrutura especializada para a educação, ciência e cultura, a UNESCO.
Esta organização definiu na sua Conferência Mundial sobre Políticas Culturais (1982) um conceito abrangente de cultura, “um conjunto de valores distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Engloba, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e crenças”.
O direito à cultura integra um conjunto de direitos fundamentais considerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, desenvolvidos e explicitados na “Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional”, acordada em 1966 na 14ª reunião da Conferência Geral da UNESCO. No artigo primeiro desse documento reconhece-se que a cultura “tem uma dignidade e um valor que têm de ser respeitados e protegidos”, e que “qualquer povo tem o direito e o dever de desenvolver a sua cultura” e, finalmente, que “todas as culturas fazem parte do património comum da humanidade”.
A UNESCO aprovou convenções e dezenas de outros instrumentos jurídicos que regulam e protegem os direitos culturais, comportando um conjunto de direitos subsidiários e correlativos.
As convenções internacionais realizadas no pós-guerra distinguem vários direitos complementares e integradores, designadamente:
– Direito à educação;
– Direito à informação;
– Direito à participação na vida cultural;
– Direito à criatividade;
– Direito a beneficiar do progresso científico;
– Direito à protecção da autoria;
– Direito à cooperação cultural internacional.
Genericamente, os direitos culturais reportam-se aos Direitos Humanos, porque a cultura assegura o desenvolvimento humano, a identificação de cada cidadão e a coesão das comunidades.
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A protecção dos bens culturais, nomeadamente pela Convenção de Haia (1954), refere a interdição, em caso de conflito armado, da destruição de monumentos, obras de arte, manuscritos e proibição do roubo, pilhagem e vandalismo. Têm vindo a crescer os ataques contra o património universal, considerado por alguns autores como “memoricídio”.
O respeito e dignificação da “identidade cultural” dos povos fazem parte das relações entre os Estados e integram a formulação das políticas públicas nacionais. A Conferência de Bandung de 1955 e posteriormente as várias proclamações em fóruns internacionais vieram enquadrar a questão das identidades culturais, inserindo e reconhecendo os movimentos de autonomia e independência dos povos colonizados.
A territorialidade e a “questão regional” têm significativa importância no diagnóstico e construção de políticas culturais democráticas, descentralizadoras e mediadoras dos diferentes actores sociais.
A emergência da designada “globalização” com processos de concentração de poder financeiro, tecnológico, militar, de meios de comunicação e publicidade em grupos muito restritos coloca novos e graves problemas aos direitos culturais. Um assunto a analisar noutra oportunidade..
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)