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Associação Teia D’Impulsos
A preservação das tradições e a valorização do que constitui a memória colectiva das comunidades, bem como dos espaços que a construíram e que continuam sendo cenário para a evocação do passado, são hoje, talvez mais do que nunca, fortes linhas programáticas no panorama associativo nacional. Porém, a ideia não é nova. Desde o século XIX que, em Portugal, a defesa do património cultural surge vinculada ao movimento associativo. Depois de um período de estagnação durante o Estado Novo, o associativismo patrimonial ganhou novo fôlego no pós 25 de Abril e, em particular, durante os anos 80. Nasceram então as modernas Associações de Defesa do Património, cujo poder consultivo junto dos órgãos de poder foi oficialmente reconhecido em 1985, na primeira lei do património cultural português. Embora a década de 90 e o início do século tenham constituído um novo momento de recessão nesta dinâmica, os últimos anos foram marcados pela revitalização do movimento associativo: por um lado, consequência indirecta da crise económica e política nacional, com o esvaziamento dos recursos do Estado a obrigar ao fomento do espírito de entreajuda e à actuação dos próprios cidadãos; por outro, exprimindo uma tendência, sentida em toda a Europa, de crescente valorização do trabalho voluntário e do associativismo, traduzida, por exemplo, na consagração do ano de 2011 enquanto Ano Europeu das Actividades de Voluntariado que Promovem uma Cidadania Aberta, ou no lançamento de programas de apoio à participação cívica, como o Europe for Citizens.
Este novo elã impeliu o associativismo social, mas também o de vertente cultural e ambiental, cariz em que se enquadra a maior parte das associações que consagram parte do seu trabalho a acções envolvendo o património. Veja-se o caso da Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, fundada em 1988. Um dos seus projectos mais emblemáticos, a Via Algarviana, concilia a prática do pedestrianismo com a valorização do património cultural e ambiental do interior algarvio.
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A perspectiva do património como um valor não só cultural, mas também económico (caso do Turismo Patrimonial) e social, capaz de promover o envolvimento das populações em prol da valorização da identidade local, tem inspirado a actividade de associações particularmente direccionadas para as chamadas (talvez erroneamente) “áreas deprimidas”. Em São Brás de Alportel, a associação IN LOCO desenvolve um reconhecido trabalho na promoção social, económica e cultural do interior algarvio, dando um especial enfoque à criação de valor nos saberes e modos de fazer tradicionais locais. Com o principal alvo de acção nas localidades de Paderne e Boliqueime, a APEOralidade – Associação de Pesquisa e Estudos da Oralidade dedica-se à recolha, investigação de publicação bibliográfica e fonográfica de literatura oral popular, provendo a sensibilização para a necessidade de salvaguarda deste património em constante risco de ocaso.
Como se vê, além do associativismo vinculado à defesa de monumentos e sítios, é cada vez maior o interesse na preservação e promoção do Património Cultural Imaterial (PCI). Iniciativas como o FOrA – Festival da Oralidade do Algarve, organizado pela Associação Teia D’Impulsos, encontram fundamento nessa premência em aproximar as populações de um património que está profundamente vinculado com a sua própria identidade. A crescente atenção orientada para o PCI reflectiu-se igualmente nas candidaturas portuguesas de bens culturais e tradições a património cultural da UNESCO, as quais têm conciliado a iniciativa de organismos públicos com o envolvimento do movimento associativo. Foi o caso da candidatura da Dieta Mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade, cuja representação portuguesa, liderada pelo município de Tavira, contou com o apoio de várias associações locais.
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Os próprios organismos governamentais têm contribuído para estimular o empenho das associações na questão patrimonial. Sensível ao seu papel mediador, bem como à sua eficácia em congregar sinergias e “fazer acontecer”, a Direcção Regional de Cultura do Algarve tem criado programas de apoio que capacitam ao movimento associativo para o desenvolvimento de acções de promoção do património. É o caso do DiVaM – Dinamização e Valorização dos Monumentos que, desde 2014, tem levado as mais variadas expressões artísticas a sete monumentos algarvios através de iniciativas promovidas por associações locais.
Em suma, a preservação e promoção do património enquanto não só uma responsabilidade dos órgãos políticos, mas também um dever (e um direito) dos cidadãos, não é uma ideia de hoje. Contudo, num momento em que o movimento associativo tem ganho um crescente ímpeto, alavancado por novas formas de sociabilidade, fruto do desenvolvimento tecnológico, é pertinente a reflexão ao mais alto nível decisório sobre como canalizar essa energia na valorização dessas marcas do passado capazes de nos fornecer pistas sólidas sobre quem somos e para onde vamos.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)