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‘Aqui, tudo fala de um tempo antes da História,
em que a África estava unida à Europa,
e ao mesmo tempo tudo esconde.
Depois, muito mais tarde, quando as ervas deram flores,
e já existiam homens para colhê-las,
levas sucessivas de povos do mundo pré-histórico
aqui vieram fixar-se, porque ali havia terra boa, sol brilhante
e mar tranquilo, e era após era, foram deixando o rasto
das suas mãos fabricadoras no solo generoso que habitaram’.
Lídia Jorge in Catálogo da Exposição
É no início do próximo mês de Junho que o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) vai inaugurar a exposição ‘LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades’ (LTMI), a mais completa exposição alguma vez realizada sobre o território e a identidade louletanas, abrangendo o período de sete milénios anteriores a 1384.
Ao todo, 500 bens culturais vão integrar o acervo da mostra que estará patente em Lisboa e que percorrerá a Pré-História e a História até à data da mais antiga acta de vereação municipal conhecida em Portugal, uma acta municipal da autarquia louletana data de 1384. Será esta a peça agora integralmente restaurada que encerrará a exposição, marcando a entrada no mundo moderno e numa fase da história que ficará por contar noutros momentos.
Um momento único para revisitar a história louletana a ser preparado desde 2015
Com um orçamento de cerca de 100 mil euros e uma organização que junta o MNA e a Câmara de Loulé, a LTMI começou a ser preparada em 2015, quando Dália Paulo, então responsável pelo Departamento de Cultura de Loulé, assumiu o desafio de certificar o museu da cidade de forma a que este pudesse integrar a Rede Portuguesa de Museus.
“Percebemos durante o processo de certificação que havia por um lado muitos bens culturais respeitantes ao território de Loulé que estavam espalhados pelo país em diferentes instituições e muitos que integravam as reservas do museu municipal sobre os quais havia um extenso trabalho a fazer, quer do ponto de vista da sua catalogação e classificação, quer do ponto de vista da sua salvaguarda e preservação”, refere ao Cultura.Sul Dália Paulo, sublinhando, “que a este facto se somou a noção de que alguns destes bens culturais eram de grande valor e relevo do ponto de vista arqueológico e que nunca tinham sido mostrados ao público”.
Este foi o mote para, por um lado, “se fazer todo o trabalho associado à identificação e classificação destes bens no seu estado e localizações actuais” e, por outro, “encetar um trabalho de recuperação deste património e dotação do museu municipal de capacidade para acolher em exposição e em reserva estas peças com a qualidade de que as mesmas eram merecedoras”, refere a actual comissária do 365 Algarve e também uma das responsáveis pela organização da LTMI, que acrescenta que, “finalmente a isto juntámos trabalhos importantes de restauro de alguns destes bens culturais, de forma a garantir a sua preservação e as condições para integrar esta grande exposição”.
Exposição abre com apresentação inédita do metoposaurus algarvensis
Chamemos-lhe o anfitrião da exposição. À entrada da LTMI será esta ‘salamandra gigante do Triásico’ que dará as boas vindas aos visitantes, convidando-os a visitar a exposição.
Descoberto pelo professor Octávio Mateus, o fóssil deste género de anfíbio do Triásico superior, com cerca de 220 milhões de anos, é a estrela da abertura e poderá ser vista pela primeira vez, depois de um profundo trabalho de conservação que a tornou digna de exibição.
Feita a recepção aos visitantes por esta digna representante do período pré-dinossauros, a exposição desenvolve-se com uma profusão de bens culturais que talham um discurso expositivo pensado para mostrar o grande valor da mostra, “a existência de um acervo notável de bens arqueológicos que percorre de forma impressionante um vastíssimo período histórico de um território que ocupa ao longo de milénios de forma consistente e hoje preservada e documentada”, refere Dália Paulo.
“Há uma imensa história por contar relativamente a este território que agora se poderá mostrar tendo como palco o Museu Nacional de Arqueologia”, destaca a responsável sobre a exposição que será, desde 1980, a quinta exposição temporária dedicada naquele museu ao Algarve, ou a territórios do Algarve, em exclusivo.
Um trabalho que se mostra a partir de Junho, mas que perdurará para sempre
Um dos pontos de destaque da LTMI é que o trabalho que levou à sua criação – as montagens decorrem actualmente e foram recentemente visitadas pelo autarca louletano Vítor Aleixo – e os resultados obtidos deste esforço sobre o património abarcado perdurarão muito para além da exposição.
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Sendo ainda incerto se a LTMI, depois de estar patente até 2018 no MNA, terá uma segunda vida rumando ao Algarve, como esperam os algarvios, ou mesmo fazendo um percurso itinerante por outras paragens, a verdade é que um dado é tido como adquirido, o trabalho de salvaguarda do património que se fez ficará para sempre como uma marca deste esforço hercúleo.
A título de exemplo, várias peças oriundas da Corte João Marques, um dos mais importantes sítios arqueológicos do Algarve, que há 40 anos estavam fora do Algarve, foram restauradas e estarão depois da exposição de regresso a Loulé onde, pela sua importância, integrarão a exposição permanente do museu municipal.
Um momento imperdível na forma de contar a História de Loulé
A LTMI será pois – por estas e por muitas outras razões que o Cultura.Sul e o POSTAL vão retratar durante o próximo mês, numa parceria de divulgação estabelecida entre o MNA, a Câmara de Loulé, o nosso jornal e o respectivo caderno cultural – um momento absolutamente imperdível para quem deseje entender a história do concelho de Loulé a uma nova luz.
São sete milénios de percurso histórico, numa mostra que junta um conjunto de afamados comissários, nomeadamente Victor S. Gonçalves, Catarina Viegas e Amílcar Guerra, da Universidade de Lisboa; Helena Catarino, da Universidade de Coimbra; e Luís Filipe Oliveira, da Universidade do Algarve.
Assim se dá forma expositiva a uma relação incontornável entre as colecções fundacionais do Museu Nacional de Arqueologia, o Algarve e Loulé, desde logo porque em 1894 foi integrada no acervo do MNA a colecção reunida pelo algarvio Estácio da Veiga, que se propôs então criar o Museu Arqueológico do Algarve e ainda porque o etnógrafo Manuel Viegas Guerreiro, natural de Querença, foi director do MNA entre 1974 e 1975 e um dos colaboradores mais próximos de José Leite de Vasconcelos, pai do Museu Nacional de Arqueologia.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)