A cinco minutos do início do concerto, a multidão vira os seus pescoços na direção de uma das bancadas destinadas a convidados, aplaudindo e incentivando uma bebé de olhos claros a beber a sua água: era a filha de Diogo Piçarra, acabada de chegar à Altice Arena. Podia ser só a história de um momento engraçado, mas também é sintomático do carinho que o artista algarvio inspira nos seus fãs, os mesmos que, três anos e vários adiamentos depois, se mantiveram agarrados aos seus bilhetes e ajudaram a encher a sala lisboeta para aquela que foi a noite de consagração do “South Side Boy”, epíteto pessoal e título do seu último álbum de estúdio.
Em entrevista à BLITZ, Diogo Piçarra havia descrito este espetáculo na Altice Arena como o fechar de um ciclo. Ao longo de mais de uma hora e meia, o que aqui se testemunhou foi um daqueles concertos pop aos quais se cola o rótulo de “grandioso”, repleto de todas aquelas coisas que fazem um bom concerto pop: chamas, serpentinas, fumo, dançarinos, visuais e, claro está, a forte participação do supracitado público. E, apesar de tudo isso, foi grandioso até na humildade. Diogo Piçarra podia perfeitamente não ter deixado qualquer crédito em mãos alheias, mas passou boa parte do tempo a agradecer a Portugal, aos presentes, e à sua equipa, tudo peças fundamentais na construção daquele que chegou a descrever como «o dia mais feliz da minha vida em cima de um palco».
Era esta, aliás, a frase que se começou por ler no ecrã de fundo: «És feliz ou estás feliz?». Uma questão que talvez não tenha ficado resolvida, no final do espetáculo, porque a filosofia tem dessas coisas. Independentemente disso, foi uma noite em que pela Altice Arena nada mais se testemunhou além de felicidade, daquele género que é até capaz de levar às lágrimas. Como foi o caso de uma fã, que ao ter o seu ídolo mesmo à sua frente não as conteve, merecendo um abraço e a graçola: “Foi assim tão mau?”.
Antes de tudo isso, uma batida eletrónica, escutada após um vídeo promocional e um cronómetro bem aplicado, deu as boas-vindas aos presentes. O ‘South Side Boy’ começou por se mostrar sozinho em palco, contra um vasto mundo: Isto é tudo o que eu sou, escuta-se, enquanto o fogo o foi rodeando. E tudo o que ele é levou-o até aqui, até um dos patamares mais elevados a que um artista português pode aspirar, um concerto em nome próprio na maior sala de espetáculos do país. “É um prazer estar aqui pela primeira vez”, atirou, antes de ‘Coração’, tema que contou com a ajuda de um grupo de bailarinas munidas de balaclavas cor-de-rosa.
A batida tropical house de ‘Já Não Falamos’, pouco depois, contou com o primeiro grande momento de cantoria por parte do público e com o primeiro grande momento de comunhão com esse mesmo público, quando Piçarra desceu do palco até às grades de proteção. Uma saudação a uma bandeira da Madeira, e a garantia: “Estamos juntos até ao fim”. Com ‘Breve’, o ecrã começou a erguer-se lentamente, colocando ao descoberto a banda que o acompanhou – munida de um baterista que, em certos momentos, tal era a força aplicada, parecia estar num concerto dos Motörhead. A música de Diogo Piçarra pode não ser metálica, mas teve direito a crowdsurf, a meio de ‘Verdadeiro’.
Chamada a interpretar ‘Anjos’, Carolina Deslandes deixou em palco uma mensagem ao público: “Vocês fazem com que a indústria acredite que o que é nosso é bom”. Tendo depois cantado boa parte de ‘Trevo’, os presentes parecem ter concordado com tais platitudes patrióticas. Assim como concordaram com Diogo Piçarra, quando este afirmou que a sua presença na Altice Arena, no pós-pandemia, “não é uma vitória minha, é uma vitória de todos nós”, antes de se lançar a ‘Escuro’. No final, foi esse o ambiente que se viveu, até que as luzes voltaram para mostrar o músico num outro palco, montado no centro da Arena. A seu lado, o segundo convidado da noite, o cantor espanhol António José, para ‘A Donde Vás’.
Por esse segundo palco passaram dois dos maiores momentos musicais da noite: uma versão de ‘Skinny Love’, de Bon Iver, e ‘Volta’, só com Piçarra ao piano, tocando “às estrelas”, apesar de a Altice Arena “ter um teto”. Terminou debaixo de uma chuva de fagulhas pirotécnicas, e regressou ao palco principal para terminar a noite com ‘Era Uma Vez’, o house de ‘Sorriso’, e o drum-n’-bass-à-la-Pendulum de ‘Wall of Love’, canção em inglês fruto de uma colaboração com os Karetus, com o público a acrescentar-lhe o cântico dos festivais e concertos de 2022 – aquele que rouba a melodia a ‘Seven Nation Army’ e que tem de acabar, e depressa. No encore, ‘Tu e Eu’, ‘Futuro’ (com vídeos e fotografias da família, em fundo), e ‘Monarquia’, com a presença de Bispo, antecederam a catarse de ‘Dialeto’, que terminou com serpentinas, pirotecnia e uma espécie de volta olímpica por parte de Diogo Piçarra. Os papéis que o público ergueu, com a frase you did it, descrevem esta noite na Altice Arena melhor que qualquer outra coisa. Depois disto, até onde poderá ir Diogo Piçarra?
- Texto: Blitz do Expresso, jornal parceiro do POSTAL