A nova criação do Teatro Meridional, “Al_Gharb”, que estreia no sábado, no Cineteatro Louletano, em Loulé, é um espectáculo que contempla dois tempos e duas estações do ano, aliando contemplação à agitação do Algarve turístico.
“É um espetáculo contraditório, de opostos, de luz e sombra, contemplação e de pulsar musical, com um ‘beat’ muito contemporâneo e até agressivo”, disse à agência Lusa Miguel Seabra, responsável pela encenação e pelo desenho de luz.
“Al_Gharb” é uma peça que “contempla dois tempos, duas estações e duas épocas do ano, que junta a contemplação, a alma e a paz com uma agitação em excesso, uma invasão tipo ‘Rossio à hora de ponta’”, onde pontuam as gentes do mar, do interior e do litoral algarvio, todas com a sua pronúncia característica de “môces marafades”, acrescentou Miguel Seabra.
Produzida pelo Teatro Meridional, o Teatro das Figuras e o Cineteatro Louletano, a peça fará depois carreira no Meridional, em Lisboa, de 09 de novembro a 17 de dezembro, com sessões de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 16:00.
Incluída no projeto “Províncias”, “Al_Gharb” incide sobretudo sobre a zona do sotavento, que começa em Loulé, englobando também os concelhos de São Brás de Alportel, Faro, Olhão, Tavira, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António.
Os espectáculos do projeto “Províncias”, marcados pela não existência de palavra como forma principal de comunicação – embora do ponto de vista cénico possa haver texto com palavras numa incidência mínima -, baseiam-se, sobretudo, no movimento, na gestualidade e na interpretação física dos atores, acompanhados sempre por uma paisagem sonora integral, que pode ser tocada ao vivo ou gravada, como é neste “Al_Gharb”,
Iniciado há 20 anos, em 2003, com “Para além do Tejo”, que incidiu sobre o Alentejo, o projeto “Provínciais” já incluiu os espectáculos “Ilhas” (Açores), “Por detrás dos montes”, sobre Trás-os-Montes (2006) e “Ca Minho”, sobre o Alto Minho (2019).
O projeto inclui ainda uma produção mais urbana sobre Guimarães, “Por causa da muralhas nem sempre se consegue ver a lua” (2012).
Os espetáculos contam sempre com pesquisa dramatúrgica, sociológica, cultural, antropológica e política da responsabilidade da encenadora e atriz Natália Luiza.
“Al_Gharb” é um espetáculo subjetivo, uma interpretação do território por uma companhia de teatro de Lisboa, em que sobressaem duas épocas diametralmente opostas: o outono/inverno, onde o Algarve é habitado quase só pela população local, e a primavera/verão, marcada pela invasão turística “abissal” do território, que em época normal do ano é “habitado por cerca de meio milhão de pessoas e em que a população triplica na época alta”, acrescentou Miguel Seabra.
As diferenças de densidade populacional e desenvolvimento cultural e social entre o interior e o litoral, as migrações, o frenesi no aeroporto, a falta de cuidado e o aumento exponencial de edificação no litoral, são algumas das realidades do Algarve mostradas no espectáculo do Meridional.
A nível cénico, “Al_Gharb”, onde não falta o corridinho, é ainda marcado pelo contraste luz/sombra e pela efemeridade de relações pessoais inerentes às “invasões sazonais” características do território.
Na peça não faltam ainda ecos da situação mundial, como o Brasil de Jair Bolsonaro, a invasão do Capitólio, de Donald Trump, nos Estados Unidos, a guerra na Ucrânia e o atual conflito israelo-palestiniano que Miguel Seabra considera “de loucos”.
A interpretar estão Ana Santos, Emanuel Arada, Nádia Santos, Patrícia Pinheiro, Paulo Mota e Tiago Barreiros, enquanto o espaço cénico e os figurinos são de Hugo F. Matos, e a música original e o espaço sonoro são de Pedro Salvador.
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