Este ano os textos e poemas são dedicados ao tema “O FUTURISMO DO NOSSO PASSADO”, que também serve de mote para os trabalhos que serão desenvolvidos pelos alunos das escolas de Tavira.
A selecção dos trabalhos que serão publicados ao longo deste mês foi feita por Ana Cristina Matias, professora de Português e professora-bibliotecária da Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira.
Álvaro de Campos – Fase FUTURISMO / SENSACIONISMO
SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN [b]
Portugal — Infinito, onze de Junho de 1915
Hé lá, á — á — á — á!
De aqui, de Portugal, de onde a Europa olha a América,
De onde tu teres existido é um efeito complexo,
Consciente de estar à vista, no palco para a plateia que é no auge.
Saúdo-te deliberadamente, saúdo-te
Desde o princípio de te saudar, como é próprio de ti.
Hé-lá Walt, old boy, meu velho arado das almas,
Hé-lá meu condottiere da sensualidade autêntica
Pirata do teu próprio génio,
Filho-pródigo da tua inspiração!
Ó sempre moderno e eterno; cantor dos concretos absolutos
Concubina fogosamente […] do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te pela diversidade das coisas,
Sexualidade… etc.
Tu, o homem-mulher-criança-natureza-máquinas!
Tu, o p’ra-dentro, tu o p’ra-fora, tu o ao-lado de tudo!
Fulcro-sensualidade ao serviço do infinito, escada
Até não haver fim a subir, — e subir!
Saúdo-te e chamo
A tomar parte em mim na saudação que te faço
Tudo quanto cantaste ou desejaste cantar.
Ervas, árvores, flores, a natureza dos campos…
Homens, lutas, tratados — a natureza das almas…
Os artifícios, que dão sabor ao que não é artifício
As coisas naturais que valem sem valor dado,
As profissões com que o homem se interessa por ter vontade
As grandes ambições, as grandes raivas, as pálpebras
Descidas sobre a inutilidade metafísica de viver…
Chamo a mim, para os levar até ti,
Como a mãe chama a criança para a sentir ser
A totalidade dispersa do que interessa ao mundo…
Ah, que nada me fique de fora das algibeiras
Quando vou procurar-te.
Que nada me esqueça, se te saúdo, que nada
Falte, nem o faltar esqueça,
Porque faltar é uma coisa — faltar.
Vá! Vá! Tudo! O natural e o humano!
Vá, o que parte! vá, o que fica! vá o que lembra e o que esquece!
Tu tens direito a ser saudado por tudo
E eu, porque o vejo,
Tenho o direito a encanar a voz em tudo saudar-te
s.d.
Álvaro de Campos – Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. – 224a.
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2018 decorre até ao próximo dia 30 de Novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI.