A edição do jornal “El Mundo” traz este sábado um longo artigo sobre o alarme que se está a viver nas escolas espanholas por causa da imitação das provas violentas do Squid Game, entre as crianças que frequentam o 1º ciclo. Para quem ainda não viu ou não sabe o que é, Squid Game é uma série coreana que mostra um conjunto de pessoas que, para melhorar as suas vidas, vai disputar um elevado prémio em dinheiro, participando em jogos infantis, onde os perdedores morrem.
Originalmente escrito em 2008, Squid Game demorou mais de dez anos até chegar à Netflix e como descreve o “El Mundo” “a cinematografia é brilhante e plana, como um filme clássico a cores, as personagens parecem ser desenhadas como se estivessem numa banda desenhada de linha clara, e alguns dos cenários fazem lembrar uma pintura de Escher”. Só que, o que parece ser um jogo infantil inocente acaba em grande violência e por isso a série não é recomendada a menores de 16 anos.
O problema é que estão a surgir cada vez mais casos de crianças dos sete aos 11 anos, que reproduzem nos recreios alguns dos jogos realizados na série e que acabam com agressões. Na Bélgica, um grupo de crianças de 11 anos foi apanhado, durante o recreio da escola, a imitar algumas das cenas e, à medida que algumas perdiam, eram empurradas para o chão e vítimas de socos e chicotadas, ficando mesmo com hematomas. Também algumas escolas do Reino Unido se viram forçadas a enviar cartas aos pais para obrigar os filhos a parar de jogar “Squid Game” nos estabelecimentos de ensino, ameaçando com sanções, como suspensão ou até expulsão da escola.
Agora, foi a vez do “El Mundo” expôr o que se está a passar em algumas escolas primárias espanholas, salientando que estão a ser emitidas circulares para lembrar os pais de que as crianças no 4º ano da escola primária não devem assistir a séries que não são para a sua idade. Segundo o diário espanhol, também há mensagens no Twitter de professores da escola primária que estimam que metade dos seus alunos assistem a séries violentas; os sindicatos de professores alertam para o aumento da violência durante os intervalos e conselheiros de cultura regionais estão a advertir os pais para que supervisionem o acesso dos seus filhos às plataformas de streaming.
A DISCUSSÃO SOBRE A CULPA
De quem é a culpa deste fenómeno está uma discussão em cima da mesa, com o “El Mundo” a recordar outros momentos, como as crianças que voaram pela janela depois de verem o Super-Homem ou as que cometeram suicídio depois de ouvirem Nevermind dos Nirvana, lançando a questão: Será a série um brinquedo envenenado que traumatiza as crianças, que as leva a normalizar a violência?
Há vários ângulos na análise da situação. O da crescente exposição a ambientes de violência e o que isso provoca na capacidade das crianças em distinguir o bem do mal, banalizando a violência. “Fico muito chocada quando as crianças veem coisas como esta”, disse ao “El Mundo” a investigadora canadiana Catherine L’Ecuyer, antes de explicar o que acontece na mente de uma criança que vê conteúdos como Squid Game: “Todas as crianças nascem com uma sensibilidade que as torna capazes de perceber a realidade tal como ela é, de distinguir o falso do verdadeiro e o bom do mau. Mas se os rodearmos de ambientes violentos e frenéticos, este limiar de sentimento irá aumentar. Tudo lhes parecerá lento, a vida real parecerá lenta, eles perderão empatia e começarão a depender de estímulos externos para sentirem algo. Primeiro irão normalizar a violência e depois tornar-se-ão dependentes”.
A teoria de L’Ecuyer é que a concorrência pelo mercado audiovisual levou os fornecedores a purificar cada vez mais a droga ao ponto de empurrar os consumidores ao limite. “As crianças acabam num estado que oscila entre a apatia e a ansiedade. A criança perde o desejo de fazer coisas por si própria e fica viciada em estímulos externos. Precisam de doses regulares de dopamina e procuram-nas cada vez mais de fontes cada vez mais bizarras. Estudos mostram que os desenhos animados de hoje têm uma média de 7,5 mudanças de quadros por minuto. E se isso não bastasse, há o truque de ajustar a reprodução à velocidade x1,5 para ir mais depressa”.
Outra questão é a quem cabe a responsabilidade. De um lado estão os que defendem que é uma série como outra qualquer e que não deve sair da Netflix porque os progenitores é que têm a tarefa de controlar os filhos e não os deixarem ver. E do outro, estão os que exigem a saída imediata da série da Netflix. “A responsabilidade, no final, recai sempre sobre as famílias. Antes, costumávamos ver televisão na sala de estar e os pais passavam, eles sabiam mais ou menos o que estávamos a ver. Claro que transgredimos, se pusessem uma bolinha vermelha num filme havia um incentivo para o ver. Mas estávamos conscientes da transgressão e isso já era importante”, disse Ladrón de Guevara, presidente da Confederação das Associações de Pais espanholas, ao El Mundo.
“A violência existia antes do Squid Game. Não há necessidade de dramatizar este caso. O verdadeiro problema é o acesso. O verdadeiro problema é com as crianças que, a partir do primeiro ano do ensino primário, vêm para as aulas muito cansadas porque passaram a noite toda acordadas com os ecrãs”, conclui Mario Gutiérrez, responsável pelo setor da Educação da Central Sindical Independente e dos Funcionários Públicos.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso