O antigo ministro João Cravinho defendeu hoje que Portugal deve criar regiões administrativas para se diferenciar e desenvolver, caso contrário corre o risco de, daqui a 20 anos, ser visto na Europa como uma província espanhola.
Na conferência “Que Regionalização Queremos?”, realizada hoje em Setúbal, João Cravinho defendeu que a regionalização terá de consolidar o conjunto do território português numa ótica relacional, não favorecendo “uma ou outra região, mas tratá-las todas como partes integrantes de um mesmo sistema”, que “garanta aos portugueses, vivam onde viverem, prosperidade e respeito pelos seus direitos fundamentais”.
“Os países mais desenvolvidos são mais descentralizados e os países mais centralizados são menos desenvolvidos. Isto é, se quiserem, uma correlação estatística. Não é uma análise de causalidade”, salientou.
Apontando para um mapa ibérico que demonstra que a população ativa se afastou da zona de fronteira entre Portugal e Espanha, que se tornou uma zona vermelha, com baixo potencial de crescimento, o antigo ministro questionou “o que será a Península Ibérica, incluindo Portugal e incluindo a Espanha, dentro de 20 anos”.
“Nunca ninguém quis fazer esta pergunta. É uma pergunta absolutamente vital para se falar na descentralização. As regiões têm muito que ver com isso”, considerou.
“Ali hoje vê-se o que é a realidade: Portugal é, digamos, de certo modo, uma província espanhola que se perdeu no tempo e que se tem de recuperar economicamente”, sublinhou.
João Cravinho defendeu que “é possível fazer uma grande aglomeração polinucleada de dimensão europeia em várias esferas, não só demográficas, como em termos de serviços, em termos de banca, em termos de produção”.
“É este o objetivo estratégico de Portugal, que faz sentido no plano do futuro da União Europeia. Se nós não nos diferenciarmos, se não tivermos um território que seja uma mais valia europeia, visto de Berlim podem ter a certeza que, dentro de 20 anos, [pensarão que] Portugal é uma parte da Ibéria”, afirmou.
O antigo ministro da Administração do Território disse que “a tendência vai nesse sentido”, exemplificando que “as multinacionais que se mudaram para Madrid e que fizeram de Madrid o polo de gestão dos seus interesses em Portugal já tem algum significado”.
Entre as mais valias que Portugal tem, o ex-ministro destacou boas vias de comunicação rodoviária, que está previsto o aperfeiçoamento dos caminhos de ferro, que existe conectividade marítima portuária com três excelentes portos em Lisboa, Leixões e Sines e “uma conectividade aérea boa” no Porto e em Faro.
“E depois temos Lisboa. Sobre a situação de Lisboa, devo dizer que eu nunca vi nenhum país decente que tivesse um esquema de planejamento aeroportuário tão mau, tão deficiente, tão irracional como nós temos à volta de Lisboa. Não é mau. É péssimo”, considerou, salientando que “é fundamental para o futuro um ‘hub’ aeroportuário de qualidade em Lisboa”.
“E eu digo isto, sei muito bem do que estou a falar, e foi péssimo. Houve, por duas vezes diferentes, a sobreposição de interesses particulares ao interesse nacional. A ida do aeroporto para a margem sul só tem uma explicação antiga: é que era a melhor forma de criar a maior fonte de riqueza no país, por especulação imobiliária. O resto não interessava. Não interessava e não interessou”, acrescentou.
Para o antigo ministro, a regionalização seria ainda “uma oportunidade absolutamente imperdível do ponto de vista do benefício nacional para fazer a grande reforma da administração central”, que considerou “um bom ‘cocktail’” construído ao longo de décadas e séculos com “inúmeras omissões em relação ao tempo de hoje, com inúmeras incoerências”.
No entanto, este terá de ser “um processo de aprofundamento democrático que envolva os cidadãos nas circunstâncias em que eles vivem”.
A conferência foi organizada pelo Jornal de Notícias, em parceria com a Câmara Municipal de Setúbal.