Nila tem 51 anos e vivia em Kherson com o marido, Roman Ishchenko, até 24 de fevereiro. No dia em em que a Rússia invadiu a Ucrânia, Nila deixou o emprego de contabilista, a casa, o cão, os sogros e o marido, e partiu de carro com a filha mais velha e os dois netos.
Chegar a Varsóvia era o primeiro objetivo. Ficaram uma semana na capital polaca. Em Kiev, Aleksandra — a filha mais nova de Nila e Roman — pediu ajuda à diretora da empresa onde trabalha para arranjar local nalgum país da Europa que pudesse recebê-los: “Ela tem muitos contactos e arranjou-nos um apartamento em Lisboa, através de amigos. Eu vim para Portugal de avião para me juntar à minha mãe, irmã e sobrinhas, que vieram no carro da minha irmã”, conta ao Expresso Aleksandra, de 22 anos, a única pessoa da família que fala inglês.
A conversa é, ainda assim, entrecortada por vários recursos dela ao tradutor automático, para traduzir as perguntas que ia fazendo à mãe. Esta respondia em ucraniano.
O alerta sobre a detenção de Roman Ishchenko a 19 de abril — um dia depois de os russos terem nomeado Igor Kastyukeyich para o cargo de presidente da Câmara de Kherson — chegou ao Expresso através da professora de português de Nila, com quem a refugiada ucraniana partilhou a aflição de não ter notícias do marido desde o momento em que foi detido.
A família acredita que a intervenção das organizações internacionais (como a Cruz Vermelha) ou os relatos na imprensa são a única forma de libertar Roman, de 47 anos. “Sabemos do caso de outro habitante de Kherson que foi libertado depois de a imprensa estrangeira ter falado dele”, diz Aleksandra, porta-voz da família na conversa com o Expresso.
As tropas russas invadiram Kherson — cidade portuária com 300 mil habitantes no Sul da Ucrânia — logo a 24 de fevereiro. Travaram-se intensos combates até 2 de março e, nesse dia, o autarca local anunciou que não tinha condições para continuar.
ROMAN FOI DETIDO NA PRESENÇA DA MÃE
“”A profissão do meu pai é transportar e entregar documentos da administração ucraniana”, conta Aleksandra. “No meu país esta tarefa é feita por militares, não é um correio normal”, explica.
“Ele optou por permanecer em Kherson, porque não queria abandonar a casa, a cidade onde nasceu e sempre viveu, o nosso cão e os meus avós, pais dele. Os meus avós continuaram a viver na casa deles, mas minha avó estava em nossa casa com o meu pai na manhã de dia 19, quando ele foi detido. Ela tem 74 anos e contou-nos que entraram sete militares russos em casa, alguns vestidos à civil, revistaram tudo, levaram o meu pai, o telemóvel e o laptop. Quando a minha avó quis tocar nele, um dos russos impediu-a”.
O APELO DA FAMÍLIA À COMUNIDADE INTERNACIONAL
Nila, a mulher de Roman Ishchenko, disse ao Expresso através da filha que o seu objetivo é “fazer tudo” para libertar o marido e pai das duas filhas do cativeiro. “Queremos que a comunidade mundial preste atenção à violação dos direitos humanos em Kherson, que é uma cidade ocupada. Pedimos à Cruz Vermelha, à ONU e a outras organizações que ajudem na libertação de prisioneiros, em particular de Roman Ishchenko, que foi detido ilegalmente por soldados russos”.
Enquanto esperam, angustiadas, repetindo apelos à comunidade internacional, Nila e as filhas continuam em Portugal. A mãe e a filha mais velha estão a tentar aprender português. Aleksandra, que fala inglês, diz que não vale a pena aprender a língua de Camões: “Estou a trabalhar online com a empresa em que trabalhava em Kiev e quero voltar para a Ucrânia logo que possa. É lá que gosto de viver”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL