A água está barata, pelo menos no município de Nelas: três cêntimos o metro cúbico. Este foi o preço cobrado pela autarquia, durante anos, a uma empresa do concelho. A água era extraída a partir de dois poços, de aquíferos subterrâneos que ninguém fiscaliza no país e cuja degradação é conhecida do Estado desde há 3 anos. Apesar de ser um recurso escasso, e cada vez mais valioso, a água dos poços continua a saque.
Durante vários anos a autarquia de Nelas vendeu 450 m3 de água por dia a uma empresa do concelho. Cobrou 13 euros e meio pela água, captada nos poços de Areal e da Longra. Apesar das queixas apresentadas às autoridades, “nunca ninguém fiscalizou a situação dos aquíferos, nem a legalidade do processo”, revela fonte municipal.
O exemplo de Nelas é um de muitos no país, que tem cadastrados 22.763 pontos de água subterrânea, revelam os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos. E desde 2018 que esta água tem vindo a desaparecer. Há menos de um ano o Gabinete de Politicas da Administração Central constatava “uma diminuição significativa dos valores de percentagem de água no solo em todo o território”. Estas águas estavam então a 80% da capacidade, e nalguns locais do Baixo Alentejo “com valores inferiores a 40%”.
Mais grave no Tejo, onde eram inferiores a 20%. Logo nesse ano o Gabinete avisava para “a fraca capacidade de armazenamento destas formações aquíferas”. E pedia “cautela para um grupo de massas de água”. Situação crítica em locais que “não conseguiram recuperar”.
Bacia do Guadiana, Elvas e todo o Algarve eram os pontos críticos. Já em dezembro foi feito novo alerta. Apesar de “um aumento em todo o território dos valores de percentagem de água no solo” o Gabinete pedia “cautela” no uso destes mananciais.
Mas no Guadiana, Mira e Sado a situação permanecia inalterada. E na Orla Ocidental havia “mais massas de água com os níveis inferiores à média”, indicava o Gabinete no relatório produzido para acompanhar a seca. No Sul, o grupo de massas de água que deveriam ser colocadas em situação crítica, continuava “sem recuperar”.
Apesar dos avisos, as águas do subsolo estão a ser poluídas, como em Nelas, onde a autarquia não esteve disponível para comentar a situação ao Expresso. Aqui a situação agrava-se com a poluição. Na Ribeira de Beijós, onde foi construída uma estação de tratamento de águas residuais que custou 2,5 milhões de euros, os efluentes da indústria continuam a contaminar os solos e os aquíferos subterrâneos. A espuma que sai das fábricas é lançada às ribeiras e aos solos, infiltrando-se e poluindo uma reserva de água.
António Saraiva Lopes, especialista em ambiente e alterações climáticas do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, reconhece que “os mais baixos valores de precipitação, inferiores a 500 mm, observam-se no vale do Guadiana”, a jusante da foz do Degebe, uma das áreas mais áridas do país.
No Alentejo a diminuição da precipitação anual é generalizada e “o risco de seca irá aumentar”. O especialista lembra que “a gestão da água disponível, a subida do nível do mar e as ondas de calor serão os principais problemas que Portugal terá de enfrentar no futuro próximo”.
E apesar da seca, dos Planos de Bacia Hidrográfica e de a experiência comprovar como as águas subterrâneas se adaptam ao abastecimento de núcleos urbanos, como sucedeu na seca de 2017, estes recursos continuam a ser explorados de forma intensiva e sem fiscalização.
Desde 2010 que o país tem o cadastro de todos os recursos hídricos, incluindo poços e furos. Porém, para proceder a captações subterrâneas particulares, furos e poços a 20 metros de profundidade e com meios de extração que não excedam os 5 cv de potência, basta comunicar a intenção à Agência Portuguesa do Ambiente.
Abaixo dos 20 metros é preciso solicitar uma pesquisa e no caso de pretender explorar a captação, requerer um pedido de licença, que pode ter “deferimento tácito”. E se houver vistoria, apenas é emitido um auto de noticia e iniciado um processo de contraordenação.
Mas ninguém verifica se os poços ou furos têm profundidade superior aos 20 metros e a captação de águas subterrâneas tem servido para tudo, seja para abastecer piscinas, regar jardins ou fornecer a indústria.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL