Console-se se nunca viajou de avião em executiva e muito menos em primeira classe. É bem mais fácil continuar a andar em económica quando se desconhece o que acontece na parte da frente (ou de cima) dos aviões. Mesmo com estes serviços adaptados à pandemia (menos mordomias e mais segurança), o espaço e a privacidade durante o voo mantêm-se, um luxo que agora é mais procurado do que o champanhe à discrição e as refeições assinadas por chefes conceituados.
Se desde o último ano sonha com um destino paradísico e longínquo, a Emirates é das companhias aéreas com mais opções de voos de longo curso, a partir de Lisboa, além de se caracterizar por cabines e serviços com qualidade acima da média. É também aquela que tem feito mais ajustamentos, desde o início do surto de coronavírus. A mais recente é uma espécie de ‘antecâmara’ da classe executiva numa versão de baixo custo, com 56 novos lugares em económica premium (em três dos seus Airbus A380). Esta categoria não é propriamente nova, outras transportadoras aéreas já a têm, como a British Airways, Air France, Lufthansa e Singapore Airlines, entre outras. Da companhia em causa depende, porém, o nível de conforto e das refeições (onde se destacam as do Médio Oriente e Ásia), que pode ser substancialmente diferente.
A Emirates acaba de estrear a classe económica premium, uma versão melhorada das cadeiras de económica e com mais espaço – Foto D.R.
A Premium Economy da Emirates, como o nome indica, é uma versão melhorada das cadeiras de económica, com mais espaço, maior reclinação das costas e levantamento das pernas, mas ainda assim bastante distante da cadeira em executiva que se transforma em cama. Esta variante na TAP, a EconomyXtra, existe desde 2019 e é na mesma linha mas sem o levantamento das pernas. Os ‘extras’ desta tarifa são ainda o encosto de cabeça ajustável, uma bagageira exclusiva e tomada elétrica e USB no próprio lugar. A companhia aérea nacional não avança se estes lugares são uma classe a expandir, mas confirma que nos assentos mais à frente, em executiva, o serviço está ‘simplificado’.
Isto significa que não há champanhe de boas vindas, recolha de casacos por um tripulante nem colocação de toalha de mesa durante as refeições, para minimizar o número de interações com os passageiros. A inovação mais recente acontece em novembro de 2020, com a introdução de um novo serviço da Vista Alegre. As loiças em causa foram criticadas pela tripulação de cabine, tendo em conta a diminuição de voos e a situação financeira da TAP. Saindo do avião e recuando à sala de espera no aeroporto exclusiva de quem vai embarcar em executiva. Aqui não há polémicas e a segurança tem primazia.
O serviço na executiva da TAP está simplificado. Não há champanhe de boas vindas, recolha de casacos nem colocação de toalha de mesa durante as refeições – Foto D.R.
Limite de 100 pessoas no espaço (antes era 260), espaços para as crianças, de descanso e de duche vedados, acrílicos na receção e bar (vidro no buffet), menos mesas disponíveis e pratos quentes a pedido, são os principais ajustamentos no lounge que serve também os passageiros em executiva das restantes companhias que integram a Star Alliance. Se a próxima viagem que o caro leitor vai fazer é a primeira em que pondera ir em executiva, lembre-se que essa experiência estará mais ‘contida’ em todas as transportadoras, devido às necessárias e desejáveis medidas de segurança. Mas é sempre uma opção com um nível de conforto incomparável com as restantes tarifas, quanto mais não seja pela hipótese de dormir deitado e de estar mais afastado do passageiro do lado.
Apesar de muito se falar sobre o fim da executiva – e até mais da primeira classe, que a TAP não tem -, devido ao desaparecimento dos passageiros em negócios e à transferência para os jatos privados, a Emirates mantêm o número de lugares nestas classes (76 em executiva e 14 em primeira, no A380). Nesta companhia aérea ou em outra qualquer, a executiva e a primeira classe são o que mais se assemelha a viajar num jato privado, principalmente na cabine de primeira classe. Nesta matéria, a Ethiad (também dos Emirados Árabes Unidos) está no topo da escala, com a cabine ‘The Residence’ no Airbus A380, que inclui três divisões (sala, quarto duplo e casa de banho com duche), mordomo treinado no hotel Savoy, roupa de descanso Christian Lacroix, roupa de cama e atoalhados Patresi e produtos de higiene Acqua di Parma.
No lounge da TAP no Aeroporto de Lisboa a segurança tem primazia, enquanto os espaços para as crianças, de descanso e de duche estão vedados – Foto D.R.
O custo que isto implica (41 mil dólares/€34 mil, duas pessoas ida e volta Abu Dhabi/Nova Iorque, por exemplo) agora é irrelevante. Em março deste ano, a Ethiad decidiu deixar de voar com os A380, onde estas cabines se encontram. A decisão de ‘reformar’ estes aviões da Airbus é transversal a várias companhias, devido à pandemia e a uma mudança estrutural: quem tem dinheiro está a optar por fretar jatos privados. Ficando em terra os aviões de maior dimensão (os únicos que têm espaço para acomodar as cabines de primeira classe), os viajantes ultra-ricos transferem-se para a alternativa que lhes dá uma versão melhorada da primeira classe.
O raciocínio, neste caso, é idêntico ao de quem viaja em económica e experimenta executiva. Não sendo o dinheiro um problema, o passageiro First Class não recua para Business (que existe nos aviões de menor dimensão, que continuam a voar) e muito menos para económica, mas sobe para o próximo nível. Os números já falam por si e muito antes da pandemia se instalar. A procura mundial de voos em primeira classe diminui 45% desde 2010, segundo os dados da consultora especialista em aviação, OAG, enquanto os em executiva aumentaram 42%. Isto não incluindo os voos domésticos nos Estados Unidos e na China, onde o termo First Class aplica-se ao que se denomina executiva.
A The Residence, na primeira classe da Eliahd, tem sala de estar, quarto duplo e casa de banho com duche, mas os A380 onde estas cabines se encontram deixaram, em março, de voar para sempre – Foto D.R.
Ainda antes da pandemia, a KLM e a Turkish Airlines já vinham a eliminar o topo de categoria na aviação comercial. A covid-19 só vem acelerar a tendência, com as principais companhias de bandeira a pôr de parte os Airbus A 380 e os Boeing 747 (totalmente ou em algumas rotas), onde se encontram estas cabines. Uma das exceções é a British Airways, que não só mantém a First Class como tem vindo a investir na melhoria da executiva. A aposta agora é no regresso do grande número de passageiros frequentes que tem nesta classe, a viajar em lazer e não em negócios, o segmento com menos probabilidades de recuperação, uma vez que as reuniões no Zoom passaram a ser a norma.
No verão de 2020, no entanto, a British anuncia o fim de uma era: a retirada da frota de 30 Boeing 747-400, alegando o impacto financeiro do coronavírus e a opção por aeronaves que consumam menos combustível do que este gigante da aviação comercial. Se a combinação destes seis números separados por um hífen não lhe diz rigorosamente, pense no Air Force One da presidência norte-americana, aquele avião bojudo com dois pisos. Na versão comercial, o 747-400 é um símbolo de viagens de longo curso em grande estilo desde os anos 1970, quando começa a voar pela primeira vez. A ‘Rainha dos Céus’ já vinha de uma ‘morte lenta’ nos anos recentes (desapareceu na Delta e na United Airlines) que se agudiza com a covid-19, levando à sua saída das frotas comerciais da Lufthansa, KLM e Qantas, também em 2020.
Também os Boieng 747-400, com o seu característico andar superior, foram retirados da frota da British Airways – Foto D.R.
Os voos privados, esses, são mais do que resistentes à pandemia. Atravessam um boom em 2020, com a necessidade de reunir famílias endinheiradas, repatriamentos, deslocações para segundas habitações e até transporte de animais de estimação (nos jatos privados podem viajar livremente na cabine), sem estarem confinados no porão do avião. Além do aspeto prático e de conforto, outras vantagens ganham peso na pandemia, como contornar a falta de voos comerciais (nomeadamente aqueles com primeira classe), evitar ajuntamentos nos aeroportos e as eventuais paragens em trânsito.
O preço desta liberdade e segurança depende do número de passageiros a transportar, das horas de voo, do tamanho do avião e da época do ano. Para uma família de quatro pessoas numa viagem de longo curso, a coisa começa, em média, acima dos 100 mil euros. Há, no entanto, um crescente número de plataformas digitais que prometem preços bastante inferiores, que estão a alargar o perfil de clientes a outros que não apenas os milionários. Por cá, nos últimos meses, os jatos privados têm sido mais falados por causa das investigações ao tráfico de droga entre o Brasil e Portugal e da mobilização do gato de Cristiano Ronaldo, de Turim para Madrid, em convalescença de um atropelamento.
O gato de Georgina Rodríguez e Cristiano Ronaldo foi mobilizado de Turim para Madrid num jato privado, para convalescer de um atropelamento – Foto D.R.
Fora das notícias dos jornais está o crescente número de celebridades e bilionários internacionais, que ciclicamente entram e saem do nosso país. Com aviões próprios ou fretados para a ocasião, os perfis de clientes já não se resumem apenas aqueles que podem e têm o seu próprio avião e aos que não podem e ficam-se pelo serviço charter. Crescem os que podem mas não querem carregar com os custos de ter um jato (como os Millennials), preferindo comprar horas de voo, e os ‘novatos’ vindos da primeira classe. Depois há toda a esmagadora maioria de passageiros de voos comerciais, para quem estas questões existenciais nem se colocam. Ah, e há o Pepe, o gato da família de Ronaldo, que não faz a menor ideia que há mais aviões além dos jatos privados.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso