É em Tavira, no Centro de Experimentação Agrícola, que milhares de fruteiras tradicionais, assim se chamam tecnicamente os exemplares de árvores de fruto, ajudam a preservar a riqueza da história e do passado da região algarvia, formando a maior colecção de fruteiras do país. “Preservar o passado salvaguardando o futuro” são as palavras que João Costa, engenheiro da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAP Algarve), utiliza para definir este projecto que teve início em 2011. Actualmente, em Tavira, existe “a única colecção de citrinos do país, a única colecção de romãzeiras e a única colecção de nespereiras”. A estas juntam-se ainda “as maiores colecções do país de vinhas de mesa, alfarrobeiras e figueiras”, revela António Marreiros, engenheiro da DRAP Algarve.
Nos dados mais recentes que a DRAP Algarve disponibilizou ao POSTAL, relativos a 2016, constam 44 acessos (denominação dada ao material genético que é recolhido mas que ainda não apresenta garantias de ser verdadeiramente uma variedade e só depois de analisado pode ou não verificar-se ser uma variedade específica de uma espécie de árvore de fruto) de alfarrobeira, 122 de amendoeira, 97 de figueira, 29 de nespereira, 32 de macieira/pêro de Monchique, 78 de romãzeira e uma colecção de citrinos com 150 acessos, esta última instalada no Centro de Experimentação Hortofrutícola do Patacão (CEHFP).
Citrinos, a jóia da coroa da região
Os citrinos são os “meninos dos olhos de ouro” para o sector agrícola da região, com 294 mil e 878 toneladas de produção, distribuídas por 14 mil e 878 hectares, afirmando- se como a única produção de citrinos do país a cargo de uma Direcção Regional. Desta produção, 252 mil e 797 correspondem à laranja.
Ao POSTAL, o engenheiro Florentino Valente revelou que a DRAP Algarve chegou a ter quase 20 mil hectares de citrinos plantados mas que “a crise fez com que se desse um decréscimo nesta produção e só há cerca de três anos a situação começou a melhorar e os pequenos agricultores voltaram a plantar”.
O trabalho desenvolvido pela DRAP Algarve na área da preservação dos recursos genéticos já dura há vários anos e está longe de terminar. A prospecção, recolha e conservação de variedades tradicionais de fruteiras algarvias em perigo de extinção fez parte do primeiro projecto que começou em Janeiro de 2011 e terminou no final de Março de 2015.
21 variedades estão já a ser caracterizadas para o segundo projecto da DRAP Algarve
O director regional da DRAP Algarve, Fernando Severino, revelou ao POSTAL que “actualmente, o grande foco da DRAP Algarve é conseguir a aprovação de um novo projecto que se encontra agora em fase de apreciação”.
Concluída a primeira fase do projecto, a DRAP Algarve está agora em condições de efectuar a caracterização das variedades, de acordo com descritores/protocolos específicos para cada espécie e, caso o programa seja aprovado, é depois apresentada a candidatura “Conservação e Melhoramento de Recursos Genéticos Vegetais”, no âmbito do PDR 2020.
Para este segundo projecto, estão já em fase de caracterização cerca de sete variedades de amendoeira, quatro de figueira e dez de alfarrobeira, e “há algumas que já identificámos com potencial para serem variedades específicas”, revela Florentino Valente.
João Costa explica que as variedades “costumavam receber o nome da localidade ou do agricultor que as descobriu” e por isso a fase de caracterização é muito importante porque há muitas variedades “com nomes iguais que são diferentes e muitas com nomes diferentes que afinal são a mesma coisa”.
Não existe no país nenhuma colecção desta dimensão
Por todo o mundo têm sido recolhidos recursos genéticos vegetais e cada vez mais é reconhecida a sua importância na sobrevivência da humanidade e no equilíbrio ambiental. Ao POSTAL Fernando Severino garante que “no país existem outras colecções do género mas não há nada com esta dimensão”.
Devido à perda de interesse na multiplicação de determinadas espécies, algumas variedades tradicionais começaram a desaparecer, perdas que António Marreiros considera “irrecuperáveis, são perdas que, à escala global, poderão vir a pôr em perigo a perenidade do homem na Terra, já que a biodiversidade é a melhor garantia de um futuro equilibrado”. O especialista mostra-se confiante no futuro e refere-se a José Vieira, engenheiro da DRAP Norte, que acredita que “a crescente preocupação dos consumidores europeus com a preservação do ambiente e com a qualidade dos produtos agrícolas pode vir a ser uma janela de oportunidades para a reintrodução de antigas variedades na produção hortícola”.
Florentino Valente dá o exemplo do pêro de Monchique “que antigamente se via muito e em grandes quantidades nas feiras tradicionais da região e foi desaparecendo. Hoje em dia já não se sabe muito bem o que é o pêro de Monchique e por isso nós estamos a tentar descobrir o que é realmente essa variedade junto dos agricultores mais antigos, que a conhecem melhor e a identificam pelo cheiro intenso e outras características específicas. Depois, por via molecular, vamos analisando as pistas até descobrir o verdadeiro pêro de Monchique”.
DRAP Algarve quer preservar a maior diversidade possível de variedades
O objectivo da DRAP Algarve é precisamente preservar a maior diversidade possível de variedades na região, que foram sendo seleccionadas ao longo dos tempos por muitas gerações de agricultores. “Depois de caracterizadas vamos então seleccionar as variedades que têm mais potencial e interesse regional, que se consigam impôr pela sua qualidade e diferenciação, para que depois sejam divulgadas junto dos viveiristas autorizados e possam ser produzidas em maior quantidade, contribuindo para a economia regional”, refere Florentino Valente.
O principal interesse da DRAP Algarve é “recolher e acumular de tudo um pouco, até porque há certas variedades que hoje podem ser menos importantes mas que amanhã podem ser as mais valiosas”, refere Fernando Severino. “Este projecto é muito importante para as próximas gerações e até mesmo para as actuais, para que todos possam disfrutar da grande quantidade de variedades existente no Algarve”, acrescenta.
(Cátia Marcelino / Henrique Dias Freire)