O fascínio pelo tempo é um sentimento quase tão antigo quanto a humanidade. Nas primeiras civilizações, a contagem do tempo resumia-se à observação dos ciclos dos astros. O primeiro relógio de sol surge no Egipto cerca de 1500 AC e pouco depois os primeiros relógios de água. Na China do século VI surgem curiosos relógios de incenso e do renascimento europeu nasce o primeiro relógio mecânico. Se antes eram raros e exclusivos de determinados contextos sociais, hoje os relógios são essenciais e omnipresentes. Estão no bolso, no pulso, no carro, no canto da televisão ou do computador ou à cabeceira da cama. Para muitos, é o último objeto a ser visto antes de dormir e o primeiro ao acordar. O mundo moderno é cronometrado ao detalhe e a ordem das coisas depende da sincronia entre estes milhares de milhões de relógios: da pessoa que corre para o trabalho, do condutor do autocarro, da campainha da escola ou do sino da igreja. Do comer ao dormir tudo tem uma hora, que pode não ser necessariamente a da fome ou do sono, mas muito frequentemente a do relógio.
A aparente obsessão com este objeto não é tanto uma doença, mas um sintoma. Nos anos 80 do século passado, o médico Larry Dossey fez um diagnóstico à sociedade. Time-sickness, ou doença do tempo, foi o termo que encontrou para descrever a sensação partilhada por muitos de que o tempo é escasso e rapidamente esgotável e de que é necessário correr para o acompanhar. A ideia de que vivemos mais depressa hoje do que no passado pode ser difícil de demonstrar. No entanto, parece haver uma sensação de que aspetos como a urbanização ou a digitalização contribuem para que vivamos frequentemente em fast forward.
O movimento slow
Em 1986, a McDonalds preparava-se para abrir um novo restaurante na Piazza di Spagna, no coração da cidade de Roma. Esta poderia ser apenas mais uma de muitas inaugurações da maior cadeia de restauração do mundo à época, não fosse pela manifestação de milhares de ativistas que se juntaram diante do restaurante contra a ideia de uma comida que se dizia “rápida”. Esta manifestação foi embrião do que viria mais tarde a ser o movimento Slow Food, uma organização pela defesa da boa alimentação, do prazer da comida e de um ritmo moderado de vida. E o que parecia uma inquietação local transformou-se rapidamente (veja-se a ironia) num movimento global, atualmente subscrito por milhares de pessoas em mais de 160 países. A sua influência estendeu-se muito para além da mesa e atualmente a palavra slow descreve um movimento – ou conjunto de movimentos – cujo ideal partilhado é o direito a abrandar nos diferentes aspetos da vida.
Os seguidores do slow living encontram no livro In praise of slow, do jornalista Carl Honoré, boa parte da sua filosofia. Uma das missões desta obra parece ser a de desconstruir os mitos: Ser slow não significa fazer tudo devagar, mas sim encontrar o ritmo certo e um equilíbrio saudável numa sociedade que parece cada vez mais talhada para a rapidez. Isto implica, por um lado, resistir à sedução da velocidade e não a confundir com eficiência, produtividade ou competência. Ao fazer as coisas no seu ritmo natural pode, por exemplo, evitar erros que consomem tempo precioso no futuro. Por outro lado, é necessário abandonar o receio, a vergonha e a culpa por querer abrandar.
É importante reconhecer que, para muitos de nós, o ritmo de vida não é tanto uma escolha, mas uma imposição. Essa conclusão parece ser apoiada por um estudo da Universidade Católica Portuguesa, conduzido em 2019, onde cerca de 60% dos inquiridos afirmaram não adotar um estilo de vida slow. Curiosamente, entre esses participantes, 4 em cada 5 manifestam que gostariam de abrandar. O mesmo estudo sugere ainda algumas vantagens daqueles que vivem a um ritmo slow, tais como maiores níveis de otimismo, menor stress ou perceção de maior equilíbrio na vida.
Encontrar o ritmo certo
Aprender a abrandar é também algo que requer… tempo. Implica criar novos hábitos, ganhar mais consciência do momento presente e estabelecer novas prioridades. Acima de tudo, implica refletir sobre valores pessoais e reconhecer aquilo que importa para cada pessoa. É importante reconhecer que este é um trabalho de mudança pessoal. O mundo continuará a rodar à mesma velocidade e as exigências exteriores poderão continuar tão frenéticas como antes. Em alguns momentos poderá ser necessário – ou poderá mesmo desejar – acelerar. Isso pode fazer sentido no momento certo e na medida certa. No entanto, ser slow implica saber olhar criticamente para esta cadência e ter flexibilidade para regressar ao ritmo natural para aquilo que também é natural e não deve ser apressado: comer, dormir, amar, fruir. O tempo é talvez o bem mais precioso de que dispomos e, paradoxalmente, poucos sabem como ganhá-lo. Se alguma vez sentiu que vive numa luta contra o tempo, poderá querer aprender. Já experimentou abrandar hoje?