“Planeta Cor-de-Rosa, Confissões de uma Diretora de Revistas de Sociedade”, por Luísa Jeremias, Casa das Letras, 2018, pretende fazer uma imersão no Olimpo dessas celebridades, vedetas, cometas velozes que são mostrados nas revistas de sociedade, nos sites, na televisão e nas redes sociais. Como é sabido, a coscuvilhice, o embasbacamento, a admiração em torno dos deuses do dia é fenómeno antigo, perde-se na noite dos tempos, daí a pomposidade dos festejos reais, a imponência das cerimónias religiosas, a distinção no vestuário… Até chegarmos ao Olimpo da sociedade de consumo que precisa de um polifacetado divertimento onde cabem deuses do estádio, atores e atrizes, diretores de clubes, banqueiros… Enfim, os figurões que estão na moda, têm que ser mostrados como os grandes atores de um espetáculo que suscite invejas, o desejo de os ver cair como gladiadores vencidos na arena de todas as competições, os espaços em que são mostrados são cada vez menos controlados pelos meios de comunicação social, as vedetas, elas próprias cuidam da sua imagem no Twitter, no Facebook, no Instagram.
Quem quer ser vedeta, ao compor o seu espaço teatral, sabe perfeitamente que todos os dias vive entre a ascensão e a queda, que pode merecer piedade e a consternação do público, como aquela apresentadora de televisão que tem depressões sucessivas e que é mostrada com o seu penteado, a vedeta socorre-se das técnicas do ilusionismo e da simulação para se manter na corda bamba, pois a sociedade de consumo é muito cruel: se a vedeta não aparece, se não muda de namorado, se não passa férias exóticas, se não há uma só referência à sua pessoa, é porque deixou de existir, não pertence nem à tragédia nem à comédia, entrou no limbo, pode até dar-se o caso de não voltar à tona de água, foi definitivamente substituída, a não ser que faça confissões nas redes sociais que a tragam de novo para a ribalta.
O planeta cor-de-rosa é pois esta síntese instável que passa pela fotografia, pelo rádio, pela televisão, o vídeo, o computador, a Internet, pelo ambiente natural até chegar aos meios de comunicação, é aí que se decide o que é ou não é real.
Luísa Jeremias fala do reality show da vida faz-de-conta, do canibalismo das imagens, recorda que Ronaldo é a única estrela planetária e em dado momento justifica que as revistas de sociedade entraram abertamente em crise porque quem quer ser celebridade trabalha-se nas redes sociais e observa: “Assim nasceu outro tipo de fake news – aquelas que correspondem à realidade que se quer mostrar e não à realidade de facto. As celebridades passaram a mandar nas câmaras fotográficas instaladas nos telemóveis e a partilharem o que desejam. Os jornalistas agradeceram do fundo do coração terem novas agências noticiosas, com o carimbo dos próprios famosos, a chegarem, ao segundo, ao ecrã do seu telemóvel”. A ser justa esta opinião, que destino vão ter os paparazzi, e com esta papinha toda feita pelos construtores de imagem, o que é hoje uma reportagem, o que farão no futuro os fotojornalistas?
No exato momento em que alinhavo estes comentários, percorrem mundo as imagens de Trump e Macron e esposas, faz-se risota dos beijos e abraços, do despique dos vestidos, da vacuidade dos discursos – é uma velha modalidade de circo com elementos novos que é o recurso a técnicas que permitem manipular os beijos e abraços e configurar estas reuniões como burlescas e anedóticas, de uma monstruosidade quase doce, tipo Família Adams.
Luísa Jeremias alude ao trabalho das celebridades para se manterem no palco e estuda o caso de Herman José cuja imagem está em transformação, tem agora muitos milhares de seguidores no Instagram, encontrou espaço para se reinventar. Fala de pesadelos como o homicídio de Carlos Castro, as bizarrias de José Castelo Branco que quando não falam dele anuncia que vai mudar de sexo, recorda o peeling da Lili Caneças em 2001, uma bem sucedida operação de marketing, vamos a clubes e restaurantes e bares algarvios, é-nos mesmo revelado o mundo de ex-concorrentes de reality shows que se transformam em concièrges de luxo. Enfim, uma narrativa modelada com ingredientes antigos da coscuvilhice, do sabor de experiência feita, do olhar benevolente sobre candidatos a jet setters, do Algarve vai-se até Bali ou Dubai ou Cabo-Verde à procura de celebridades ou de estrelas cadentes, viajamos pelos bastidores destas purpurinas e lantejoulas, e não podemos deixar de ficar impressionados com este mundo em que tudo acontece para que o negócio da ficção corra com liquidez, um autêntico desenho animado que espelha o presente descontínuo e a aridez onde nem tudo é o que parece… Mas dá dinheiro a ganhar a muita gente.