Michel é um funcionário público quarentão do Ministério da Cultura, solteiro, cínico, apático, sem namorada ou amante, nem amigos íntimos. A sua vida reparte-se entre o trabalho, os peep shows (para limpar a mente) e os seus programas de televisão predilectos. A sua personalidade parece, portanto, condizer com a França aqui descrita: «um país sinistro, inteiramente sinistro e administrativo» (p. 54).
A morte do pai, que ele via de ano a ano, e representa um «elemento horrorosamente emblemático» do século XX (p. 69), traz a Michel algum conforto económico, assim como uma espécie de deriva existencial, o que o leva a partir de férias para a Tailândia, como que em fuga a uma vida sem sentido a «trabalhar noventa horas por semana até aos sessenta anos de idade» e a «descontar em impostos metade do que ganhas, contribuindo para o financiamento das operações militares no Kosovo ou para a reabilitação dos subúrbios dos grandes centros urbanos» (p. 253).
De forma inesperada, nessa viagem organizada à Tailândia, onde é possível explorar ainda um turismo sexual velado, conhece Valérie, e mergulha inesperadamente numa relação tão cúmplice quanto sexualmente intensa.
O livro reparte-se em três partes, com um final inesperado e trágico, o narrador fala-nos na primeira pessoa, e pode ser facilmente confundido com o autor (a começar pelo nome próprio), de forma distanciada e irónica, pelo que mesmo as profusas cenas sexuais explicitamente detalhadas não tocam o leitor. A intriga parece perder-se nos seus meandros, ao ponto de por vezes não sabermos bem por onde vamos, nomeadamente na forma como se detém demoradamente nos projectos do turismo sexual delineados por Valérie e Jean-Yves. No ano 2000, o turismo de massas ameaça morrer, e Michel torna-se o principal mentor da ideia de uma rede mundial de colónias de férias onde o sexo livre é o lema e o corpo, a única coisa que certos países têm para oferecer, a moeda de troca.
Naquele que é o terceiro romance deste incontroverso e incontornável autor, cuja obra tem sido publicada pela Alfaguara, Houellebecq faz uma reflexão angustiante da civilização ocidental no final do milénio. Originalmente publicado em 1999, houve quem considerasse que o romance previu os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e os ataques terroristas a turistas em Bali, conforme narra uma violência crescente dos muçulmanos, ao mesmo tempo que diagnostica uma crítica interna a uma sociedade ocidental moribunda: «Até ao final, continuarei a ser um filho da Europa, um filho da inquietação e da vergonha; não sou depositário de qualquer mensagem de esperança. Não sinto ódio pelo Ocidente, quando muito um enorme desprezo. Sei apenas que, sendo como somos, exalamos um imenso fedor a egoísmo, a masoquismo e a morte. Criámos um sistema em que, pura e simplesmente, é impossível viver; um sistema que, ainda para mais, continuamos a exportar.» (p. 278)