O nosso querido Carmino, acabou por não resistir e faleceu ontem de madrugada, no Hospital de Coimbra, após treze dias em estado de coma profundo.
Vou ter dificuldade de sarar a ferida provocada por este desgosto e esta revolta. Cabanas, no seu todo, vai sentir essa dificuldade, tenho a certeza. Mas, foi o Carmino que perdeu a vida, esse velho-moço com 74 anos e espírito de 30, como ainda há dois dias escrevi num outro desabafo.
Carmino não era um idoso de 74 anos, como têm noticiado as televisões. Era sim, um homem com 74 anos de vitalidade, de energia, com uma fibra, uma raça, uma autonomia, de fazer inveja a muitos jovens, como ainda ontem bem o descrevia o nosso amigo comum, José António Pinto. Um ser humano com 74 anos que se levantava todos os dias de madrugada, que não vivia de subsídios mas da força do seu trabalho, de uma vida honrada e respeitável. Para além de tudo isso, o que mais caracterizava este ser humano, era o seu espírito, a sua boa disposição, a sua capacidade para brincar. Junto dele, ninguém fica(va) triste. O sentido de humor, a brincadeira e a bonomia eram o seu apanágio.
Carmino merecia mais, muito mais, por parte da sociedade, por parte do Estado. A sua vida poderia ter sido poupada, se tivesse recebido os cuidados de que carecia no período de tempo vital, quando o acidente vascular cerebral lhe bateu à porta. Exigimos a resposta a muitas perguntas:
Porque tem um doente com sintomas de AVC de ir primeiro para Vila Real de Santo António (afastando-se de Faro), e só depois para Faro?
Porque demorou o Centro Hospitalar do Algarve uma infinidade de tempo ( três horas), para providenciar o transporte para Lisboa?
Porque não foi a sua deslocação para Lisboa e depois para Coimbra, realizada por meios aéreos?
Porque não estava a ambulância equipada com as máquinas necessárias para manter a estabilidade do doente?
Porque não foi assistido em Lisboa?
Um cidadão de nome reconhecido teria tido igual tratamento?
Já ninguém nos devolve a vida do pescador Carmino. Mas a resposta a estas questões tem que ser clara e inequívoca. A vida das pessoas não tem preço. A austeridade não podia ter ido tão longe. Na saúde têm que ser reforçados os meios. Os doentes não podem esperar horas na urgência do HPA como tem vindo a acontecer. Não se pode desinvestir de alguém porque é idoso, enviando para o serviço de Medicina um doente com um derrame cerebral, sabendo o hospital que este serviço não tem competência técnica para tratar essa enfermidade, como ainda em Abril de 2015 aconteceu com a minha própria mãe.
No caso da minha mãe, então com 89 anos, o diagnóstico do hospital, felizmente falhou. Segundo ele, a minha mãe ou não resistia ou ficava com sequelas profundas. Esteve dezoito dias nos serviços de Medicina até que começou a reagir e foi transferida para a Neurocirurgia. Esteve um mês hospitalizada. Daqui a dias fará 91 anos. Tem cuidados com a alimentação, faz uma hora de caminhada diária, tem intactas todas as suas funções cerebrais.
Esses senhores que fizeram entrar a austeridade desta forma nos serviços de saúde, sabem avaliar o que significa ter uma mãe por mais alguns anos junto de nós? Sabem avaliar o sofrimento da família do Carmino, a esposa, os filhos, os netos, os inúmeros amigos?
Seguramente que sabem. Só que os seus, estamos certos, teriam outro tratamento, outras condições.
Já ninguém nos devolve o nosso amigo Carmino. Mas conforta-nos um pouco ouvir o seu filho (também ele Carmino), dizer que nesta luta por apuramento de responsabilidades vai até às últimas consequências, nem que seja a última coisa que faça na vida.