O Algarve é uma região sujeita a uma variabilidade na disponibilidade de água e consequentemente na quantidade e qualidade dos recursos hídricos, que advém de se enquadrar geograficamente numa zona de clima tipicamente mediterrânico.
Sobretudo desde as décadas de 60-70 do século passado, o aumento dos usos da água, com o turismo e urbanização, e mais recentemente com uma intensificação da agricultura, tornaram as variações naturais na disponibilidade de água um “problema” e uma situação merecedora de grande atenção mediática.
De facto, a situação dos recursos hídricos no Algarve é uma situação ”estrutural” que, em anos de menor precipitação, se agudiza, mas que, após um ano de maior precipitação que reponha os níveis de barragens e aquíferos, perde importância e urgência.
Na verdade, a maior ou menor precipitação que ocorre no Algarve está associada a factores climáticos, como a Oscilação do Atlântico Norte (NAO), que reflecte a diferença relativa entre a baixa pressão sobre a Islândia e a alta pressão dos Açores e condiciona o clima no Sul da Europa. Para além disso, causas mais próximas são o crescente consumo urbano, da indústria, do turismo e da agricultura, a que se somam perdas em redes de distribuição, seja no regadio ou em abastecimento público para consumo humano.
Considerando as crescentes necessidades de água para múltiplos fins e considerando os cenários previstos de alterações climáticas, que prevêem períodos mais quentes e secos para o Algarve, a prazo, o acesso ao recurso água pode tornar-se limitativo para algumas actividades.
Se não chove, para que exista água nas torneiras as alternativas tradicionais são: reduzir os consumos, transferir água de onde há mais para onde há menos, ou produzir água para consumo, sendo que cada uma destas soluções têm custos e não são sustentáveis no longo prazo.
Para além do problema da quantidade de água disponivel, há também que considerar a qualidade da água que é disponibilizada para as populações e outros usos. Em situações de seca, a acumulação de fertilizantes e pesticidas agrícolas nos corpos de água, superficiais e subterrâneos, causa poluição e degrada o recurso que, apesar de poder existir, fica impróprio para ser consumido. A reutilização da água, assegurando a qualidade é uma necessidade. Com efeito, frequentemente considera-se a situação dos recursos hídricos no Algarve, sobretudo na perspectiva da quantidade, mas os aspectos da qualidade estão relacionados e são igualmente importantes.
Devemos ter a clara noção de que as respostas para situações que estão relacionadas com a natureza, encontram-se na natureza. Enquanto sociedade, temos vindo a alterar os ecossistemas, a transformar áreas naturais em áreas agrícolas, em cidades, em estradas, alterando o ciclo hidrológico e o seu funcionamento. A evapotranspiração das plantas e evaporação dos corpos de água é fundamental para que se formem nuvens que precipitem.
Investir na natureza, e trabalhar em conjunto com a natureza, permite o desenvolvimento de soluções de base natural, que assentam num sólido conhecimento científico e possibilitam a obtenção de resultados sustentáveis e de longo prazo, ou seja, é possível, usando técnicas e resultados comprovados cientificamente, aumentar a quantidade e qualidade da água disponível para as várias necessidades de consumo. Uma destas técnicas é a eco-hidrologia, uma aproximação que tem vindo a ser desenvolvida pela UNESCO, desde há 20 anos, e com a qual a Universidade do Algarve colabora através da cátedra UNESCO em eco-hidrologia: água para os ecossistemas e sociedade e, também, através de mestrados internacionais, financiados pela União Europeia, como o mestrado Erasmus Mundus em eco-hidrologia aplicada.
Esta perspectiva de considerar a natureza como forma de contribuir para aumentar a precipitação está em implementação através do projeto “plantar água” no Algarve, que junta a ANP – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF (World Wildlife Fund) e a “The Coca-Cola Foundation”, no objectivo de plantar 50.000 árvores em 100 hectares, o que se espera venha a possibilitar a recuperação de 200 a 250 milhões de litros de água por ano, para a região.
Esta iniciativa evidencia o potencial que as soluções de base natural têm e forçosamente terão cada vez mais num futuro que se pretende sustentável.
* Luis Chícharo é professor da Universidade do Algarve, coordenador da cátedra UNESCO em Eco-hidrologia da Universidade do Algarve e coordenador do curso de mestrado Erasmus Mundus em eco-hidrologia aplicada
RELACIONADO:
ESPECIAL RECURSOS HÍDRICOS: Água do Guadiana vai alimentar Odeleite
AS ÁGUAS DO NOSSO DESCONTENTAMENTO Editorial de Henrique Dias Freire
Plataforma Água Sustentável exige ser ouvida nas soluções para combater a falta de água
Medidas para poupar água em Castro Marim podem baixar consumos entre 25 e 20%
A água que nos mantém vivos e nos lava a alma em tempos de Covid-19