O hidrogénio verde, peça fundamental na transição energética da Europa, está a ser alvo de preocupações devido à ligação com substâncias químicas potencialmente perigosas, conhecidas como “químicos eternos”. Este verão, em Villers-Saint-Paul, uma pequena cidade no norte de França, os habitantes foram surpreendidos por uma recomendação invulgar: evitar consumir os ovos das suas galinhas. Saiba mais acerca deste produto tóxico adiante neste artigo que conta com a colaboração da Executive Digest.
Testes revelaram que os ovos continham uma mistura de PFAS (substâncias perfluoroalquiladas), chamadas “químicos eternos” devido à sua dificuldade em se degradarem. Estes compostos artificiais estão associados a problemas de saúde, como cancro, danos no fígado e infertilidade. Embora a origem exata dos PFAS nos ovos não tenha sido determinada, a suspeita recaiu sobre uma fábrica local da gigante química Chemours, que produz estas substâncias.
De forma irónica, foi a própria Chemours que realizou os testes que confirmaram a presença dos PFAS, como parte de um acordo com as autoridades locais. A empresa tinha particular interesse em manter a confiança da população, já que estava a decorrer um projeto de expansão no valor de 186 milhões de euros para aumentar a produção de PFAS, substâncias essenciais para a produção de hidrogénio verde. Este combustível, livre de emissões de carbono, é considerado crucial para a descarbonização da Europa e para a luta global contra as alterações climáticas. No entanto, a contaminação alimentar com PFAS estava a colocar em causa a aceitação pública deste projeto.
“Quando soubemos dos grandes investimentos na fábrica local, todos achámos que seria uma excelente notícia”, disse Alexandre Ouizille, vice-presidente da câmara de Villers-Saint-Paul, numa entrevista. Ele referia-se ao impacto positivo na criação de empregos e no combate às alterações climáticas. No entanto, a divulgação da “poluição eterna dos PFAS”, investigada por órgãos de comunicação como o Le Monde em 2023, fez a opinião pública mudar.
O presidente da câmara, Gérard Weyn, enviou uma carta ao Ministério do Ambiente francês, pedindo esclarecimentos. “Antes de o município se comprometer com este projeto, precisamos de respostas claras às nossas questões de precaução, para afastar qualquer dúvida sobre a segurança da fábrica atual e da proposta de expansão”, escreveu Weyn.
Embora as autoridades locais não tenham confirmado a origem exata da contaminação, indicaram que alguns dos PFAS encontrados nos ovos não são produzidos pela fábrica da Chemours. No entanto, outros são, e por isso vão ser realizados mais testes. Mesmo com estas incertezas, os políticos locais estão preocupados com a possibilidade de que a expansão da produção de PFAS aumente os riscos de poluição na área.
Este caso ilustra um dilema global: enquanto os países investem em novas tecnologias para combater as alterações climáticas, muitas dessas inovações, como o uso de PFAS, apresentam riscos que ainda estão a ser estudados. “Estamos perante dois grandes desafios ambientais: a descarbonização e o problema dos PFAS. É realmente complicado”, disse Ouizille.
Os PFAS são utilizados numa vasta gama de produtos, desde bombas de calor e baterias até painéis solares e turbinas eólicas, todos essenciais para a neutralidade climática da União Europeia. A fábrica da Chemours em Villers-Saint-Paul já produz estes químicos para espumas de combate a incêndios e materiais de construção. Com a expansão, a empresa planeia aumentar a produção de Nafion, um químico usado na eletrólise, processo que separa a água em hidrogénio e oxigénio puro.
O hidrogénio é visto como uma solução para os maiores desafios da descarbonização, como a produção de aço, plástico e combustível para transportes marítimos e aéreos. Contudo, a possível proibição dos PFAS pode ter “consequências catastróficas” para a produção de hidrogénio, alertam responsáveis da indústria.
Daria Nochevnik, diretora de políticas do Hydrogen Council, ressalta a urgência da ação climática: “Todos vemos os impactos das alterações climáticas. Eles são iminentes, e não podemos esperar décadas para agir. Precisamos de trabalhar com as soluções que temos agora.”
Por outro lado, os legisladores estão mais atentos às consequências da poluição causada pelos PFAS. Estes químicos, que podem ser cancerígenos, foram encontrados em várias partes do corpo humano, incluindo no leite materno e nos testículos. Um estudo nos EUA, apoiado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), associou a exposição a um subproduto dos PFAS, o “Hydro-PS Acid”, a problemas autoimunes em ratos.
Em resposta, a Chemours afirmou que os níveis que causaram esses efeitos no estudo eram “muito elevados” e garantiu que o “Hydro-PS Acid” não é emitido pela fábrica de Villers-Saint-Paul. A empresa prometeu ainda que a nova produção de Nafion incluirá “investimentos em sistemas de controlo de emissões de última geração, com uma eficiência de destruição superior a 99,9%”.
As preocupações com os PFAS levaram a União Europeia a tentar eliminar gradualmente o seu uso em setores importantes para a transição verde, incluindo o hidrogénio. Porém, representantes da indústria alertam que esta medida pode travar o progresso na transição energética. No seu relatório recente, Mario Draghi, ex-primeiro-ministro italiano, também expressou preocupações semelhantes.
A proposta da UE, que ainda está em discussão, oferece à indústria do hidrogénio um prazo de cinco anos para encontrar alternativas aos PFAS. Jonatan Kleimark, da organização ChemSec, considera este prazo razoável, mas destaca que existem “muito poucas” alternativas atualmente, embora a inovação esteja a avançar, tentando que este episódio relativo aos ovos seja cada vez menos recorrente.
Carolin Klose, investigadora do Instituto Hahn-Schickard, está a desenvolver uma solução não-PFAS e acredita que estas alternativas podem ser até mais eficientes, embora a sua produção em larga escala possa demorar.
Apesar das preocupações, o projeto da Chemours em Villers-Saint-Paul segue em frente, mas com condições. A empresa faz monitorizações diárias de segurança química e partilha os resultados com as autoridades. “Foram feitos investimentos importantes em tecnologias para reduzir as emissões, que são das mais eficientes no tratamento de descargas”, afirmou a Chemours. A empresa compromete-se a reduzir as emissões de químicos fluorados em mais de 99% até 2030.
No entanto, Ouizille sublinha a importância de se trabalhar em alternativas: “Tanto quanto possível, as indústrias devem procurar soluções sem PFAS. A saúde das populações locais está em causa.”
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