I. Introdução
Considerando as diversas exposições enviadas ao longo deste último ano para as entidades com responsabilidade de tutela sobre a Ria e a Ilha de Cabanas, nomeadamente a CMT, a CCDR, a ARHALG, o ICNF e face à ausência de respostas relativamente às questões que nos preocupam como sejam:
– a incapacidade do acesso público por barcos, em dar resposta às necessidades da população residente e aos turistas;
– as questões ambientais inerentes à travessia intensiva por barcos a gasolina, visivelmente causadores de poluição, destruição de pradaria marinha e erosão das margens e fundos;
e uma vez que, até à presente data foram ignorados os pedidos de reunião, somos ora a redigir esta carta aberta, a qual será enviada para as entidades citadas e ainda para a Capitania de Tavira, a Docapesca, para o Exmo. Sr. Ministro do Ambiente, o Exmo. Sr. Ministro do Mar, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República, o Exmo. Sr. Presidente da República, bem como para os Partidos Políticos com assento parlamentar.
De referir ainda que, a área do canal onde os barcos da travessia operam, é a original e ancestral praia fluvial de Cabanas. De facto, o espaço de lazer onde antes as pessoas, – especialmente jovens e crianças -, nadavam e brincavam livremente, é desde há duas décadas, usurpado pela atividade do transporte por barcos, para a ilha de Cabanas, um vaivém ininterrupto durante todo o verão, o que consideramos ser uma ocupação abusiva de um espaço público de interesse muito relevante e um claro atentado ao direito de usufruto dos espaços naturais, em concreto a ria na sua margem norte.
Com a existência de uma travessia pedonal, a pressão causada pelas largas centenas de travessias diárias, reduzirá drasticamente e, assim, a Ria de Cabanas que no verão mais parece uma autoestrada, poderá ser recuperada e aproveitada para a sua vocação natural de praia fluvial que sempre foi.
II. Acessibilidade Pública
É obrigação do Estado disponibilizar acessibilidades públicas para espaços públicos, que sejam procurados indistintamente pela população em geral.
Que tais acessibilidades sejam inclusivas para todos, é uma questão de democracia e de equidade.
No caso em apreço, a procura pela ilha de Cabanas perde-se no tempo e desde que há mais de cinco décadas foi descoberta pelos turistas, a acessibilidade pública tem sido garantida, pela exploração privada de empresas especializadas em travessias e por barqueiros legalmente autorizados.
Acontece que, Cabanas cresceu bastante nas duas últimas décadas (desde que a ria foi dragada, ficando o acesso pedonal inacessível) e entretanto, a oferta turística aumentou imenso.
Actualmente, a travessia pública existente, é incapaz de dar uma resposta à altura da procura e tão pouco se coaduna com a qualidade exigível a um serviço público de transporte de passageiros.
As longas filas nas horas de maior afluência, a impossibilidade de acesso a pessoas de mobilidade reduzida e a impossibilidade de manter o distanciamento social, além de questionáveis, criam uma péssima imagem.
Não menos importante de assinalar, é a impossibilidade de uma resposta eficaz no caso de uma emergência, que obrigue à evacuação da ilha. A travessia de barcos em Cabanas, é de facto a vários níveis insegura, a qual já regista alguns acidentes de gravidade assinalável, o último, ocorrido no verão passado, quase resultava em tragédia.
Compreenda-se, também, que a travessia comercial por barcos, apenas serve ao turismo massivo de verão, caracterizado por famílias em férias, as quais no geral, dispõem de recursos financeiros para os barcos e de tempo para as filas. Para quem esteja em gozo de férias e se desloque à ilha para passar o dia na praia, as filas não são grande problema. Contudo, para os residentes, que apenas dispõem de escassas horas entre os turnos de trabalho, ou um dia semanal de folga, tal não é viável.
E, na época baixa, a travessia por barcos é praticamente inexistente, e as escassas oportunidades de travessia são cobradas a um custo acrescido, fatores dissuasores para quem apenas pretende ir fazer exercício, uma caminhada, ou simplesmente ver o mar, sendo que o clima por cá inúmeras vezes é convidativo, mesmo nos meses de inverno.
Como se pode verificar nas praias vizinhas com livre acesso, apenas uma acessibilidade livre de constrangimentos de acesso e sem custos, concorrerá para o usufruto indistinto da praia a qualquer cidadão que pretenda aceder à ilha, seja para práticas saudáveis e de lazer, seja exercer a sua atividade profissional no caso dos mariscadores.
O apelo por uma ponte, é pelo direito legítimo de acesso público livre, uma acessibilidade que seja igualmente inclusiva para pessoas com mobilidade reduzida, um acesso permanente, seguro, integrado na paisagem, construído com materiais ecológicos e que não constitua uma barreira à navegabilidade permitida no local, que, como se sabe, é apenas permitida a pequenas embarcações, não motorizadas.
Negar esse direito, não só é antidemocrático, como também elitista e egoísta.
Todavia, apelar a uma travessia pedonal, não significa obrigar ninguém a usar a ponte, quem preferir poderá continuar a atravessar de barco.
Não pretendemos uma travessia pedonal exclusiva, apenas queremos a ponte como alternativa à acessibilidade por barcos.
III. Ponte pedonal vs ponte náutica
É inegável que uma parte muito considerável da comunidade residente e milhares de pessoas que nos visitam, anseiam por uma ponte para a ilha de Cabanas. De notar que, por todo Portugal, as entidades públicas têm investido em acessibilidades pedonais para as praias e inclusive, diversas praias na Ria Formosa são já beneficiadas com caminhos pedonais.
Comparemos o exemplo da vizinha vila de Santa Luzia, que tendo características muito similares a Cabanas, desde há várias décadas que tem uma ponte para a ilha – Praia do Barril -, sendo que a CMT até anunciou recentemente estar em curso a beneficiação do caminho pedonal de acesso à ilha. Não podemos deixar de apontar a discrepância de critérios, bem como o facto de que a existência da ponte para a praia do Barril, em nada tem contribuído para a degradação da ilha ou da ria (muito pelo contrário), cumprindo perfeitamente a utilidade pública e revestindo-se de enorme importância para a economia e empregabilidade local ao longo de todo o ano.
É por demais evidente para a generalidade da opinião pública, que a ponte apenas coloca em risco, o negócio brutal da travessia de centenas de milhares de turistas na época balnear, questão esta, muito sensível para a Docapesca e para os operadores das travessias.
Esta leitura é evidente, tanto mais que, a escassa minoria dos cidadãos que se têm manifestado contra a ponte, são em geral, pessoas com interesses, ou com familiares que trabalham na travessia, ou em empresas de áqua-táxis e ainda pessoas com acesso particular, ou privilégios na travessia pública.
A questão de se construir ou não a ponte, deverá centrar-se na questão da utilidade pública em si e em questões técnicas, económicas e ambientais e não se pode nunca dissociar a comparação com a solução actual de acessibilidade pública que, como sabemos é uma travessia intensiva por barcos para cá e para lá, num frenesim constante durante quatro meses, quando o turismo é massivo. Para lá da época alta, o acesso à praia é praticamente inexistente, porque pouco prático e excessivamente oneroso para o cidadão em geral e não é lucrativo para os operadores da travessia.
IV. Razões Técnicas e Económicas
Quanto às questões técnicas e económicas, teremos que considerar que uma travessia massiva por barcos, necessita de infraestruturas tão ou mais robustas e intrusivas que uma ponte. Basta referir o novo passadiço recém-inaugurado, totalmente em estrutura metálica e fundado a considerável profundidade, em estacaria igualmente metálica, claramente sobredimensionado para a sobrecarga de milhares de pessoas, concentradas num curto espaço, típico das travessias massivas de barcos e provavelmente, para poder suportar maiores rampas, um futuro cais de embarque maior e mais robusto e o impacto de barcos maiores.
Na realidade, enquanto milhares de cidadãos reivindicam um acesso pedonal para a praia de Cabanas, a CMT investiu mais de 600 mil euros num passadiço de acesso aos barcos! Tal significa, claramente, o reforço na aposta da travessia intensiva por barcos, mantendo, por agora, os mesmos problemas de acessibilidade, a mesma exígua rampa de acesso, o velho cais, as dificuldades evidentes de evacuação da ilha ao final do dia e a inacessibilidade a pessoas de mobilidade reduzida, fatores que no seu conjunto, constituem uma péssima imagem, para uma vila cujo turismo é a principal força económica.
Há ainda a considerar a tendência natural ao assoreamento, o que obriga ao recurso a inevitáveis e frequentes dragagens para a viabilização da travessia comercial por barcos.
Em suma, para a travessia por barcos, as rampas, cais e passadiços em ambas as margens, sobredimensionados para a acumulação de milhares de pessoas, no seu conjunto, custarão, provavelmente, três ou quatro vezes mais que uma ponte em madeira, conforme nos parece ser adequado para Cabanas, cuja travessia é de extensão inferior a 200m.
Quanto às dragagens, as questões técnicas também são seguramente complexas e, provavelmente, ao longo de 25 anos de exclusividade da travessia, terá que ser investido só em dragagens, o custo de várias pontes, o que constituiria um considerável despesismo financeiro, para além do terrível custo ambiental, que será manter artificialmente a navegabilidade da travessia.
Há ainda a considerar o tremendo investimento em barcos de transporte de passageiros e todos os custos inerentes à exploração de uma travessia marítima, a qual, apenas será economicamente viável no período da época balnear, quando o turismo é massivo e capaz de garantir lucro aos operadores privados, obviamente à custa dos utentes.
V. Razões Ambientais
São centenas de milhares de travessias que no verão cruzam a ria em Cabanas, é uma verdadeira ponte náutica e o trânsito infernal, um espetáculo absolutamente grotesco.
A realidade é que as condições naturais de Cabanas, não se coadunam com uma travessia massiva por barcos, trata-se de um curso de águas de pouca profundidade, uma travessia com cerca 170m de extensão (cerca de 300m o percurso usado pelos barcos), a qual só é viável com o recurso regular a dragagens e o impacto ambiental das dragagens não deverá ser ignorado.
Quanto aos barcos, o impacto ambiental é notório e quaisquer que sejam (mesmo que a energia solar), são todos (mais ou menos) poluentes, todos são intrusivos, revolvem as margens e os fundos causando grande perturbação no ecossistema, mais ainda sendo uma travessia intensiva.
Não deixa de nos surpreender que a APA aprove as dragagens para estas travessias. Há estudos ambientais sobre tais intervenções e sobre as travessias por barcos que no período balnear são perto de mil por dia?
VI. O negócio da Travessia comercial por barcos
É público que a Docapesca tem em curso um projeto de travessia para barcos (somos em crer que terão de ser barcos maiores), para entregar à exploração privada, em regime de exclusividade por 25 anos. O critério de seleção, apresentando às empresas concorrentes foi “a proposta economicamente mais favorável” com a Docapesca a reclamar 20% no preço dos bilhetes + 30% na facturação anual + 10% variáveis. Daqui se depreende que a travessia será então entregue à empresa que garanta o máximo lucro possível. Tudo isto é, no entanto, estranho.
Afinal, a Docapesca é uma entidade reguladora e sem fins lucrativos, ou uma entidade que se considera no direito de arrendar a Ria de Cabanas a quem lhe proporcionar maior lucro?
Qual a posição da Câmara Municipal de Tavira, da APA, da CCDR e da ICNF perante esta pretensão da Docapesca? Quais os critérios ambientais e de conservação da Ilha Barreira e da Ria Formosa? Há estudos do impacto ambiental para essa travessia massiva?
VII. Utilidade Pública da Ponte
Em Cabanas de Tavira, uma travessia pedonal para a ilha, é de interesse público evidente e reflete-se na forte adesão que a Petição colhe, entre a esmagadora maioria dos cabanenses e de milhares de outras pessoas, cujo apoio está bem expresso e documentado e lembramos:
– perto de 4000 cidadãos subscreveram a petição que colocámos a circular on line e em papel;
– foi realizada via facebook uma sondagem pela ponte, a qual recolheu 1217 votos pelo sim e 251 contra, ou seja, mais de 80% dos votos são favoráveis à ponte
– contamos com o forte apoio das forças vivas de Cabanas. Praticamente, todos os empresários da restauração, dos vários empreendimentos turísticos e do comércio local em geral, assinaram uma recomendação a solicitar à CMT que faça todos os esforços para conseguir uma ponte para a ilha de Cabanas, o que atesta da importância que a acessibilidade permanente para a ilha representa para a economia local.
Neste ponto, importa referir aquilo que se apresenta evidente para todos: havendo ponte, o número de travessias reduzirá drasticamente, dissipar-se-à o chorudo negócio da empresa privada que concorre para ficar com o exclusivo bem como a fatia para a Docapesca, mas ganha a população, ganham os turistas que nos visitam e ganha todo o concelho de Tavira que, assim, poderá disporá de uma segunda praia permanentemente acessível e não podemos deixar de lembrar que a Praia do Barril é a única de Tavira oficialmente classificada como Praia Acessível a todos.
Contudo, a previsão de que a ponte arruinará o negócio da travessia massiva por barcos, é a mais singela demonstração da própria utilidade pública da ponte, é o reconhecimento de que as pessoas previsivelmente irão privilegiar a travessia pedonal, em detrimento do transporte por barcos. Esse reconhecimento está patente até pelas intervenções públicas da Senhora Presidente da CMT, a qual, na última reunião da Assembleia Municipal admitiu que a construção de uma ponte poderá levar a indemnizações para a entidade privada que explora a travessia.
Se não podemos deixar de estranhar essa revelação de compensações indemnizatórias por perdas de lucro (a que propósito, por que entidade e sob que pretexto legal haveria lugar a compensações financeiras?), registamos a preocupação revelada.
Servem estas declarações da Senhora Presidente para confirmar as suspeitas de que, o que está em causa como obstáculo à travessia pedonal, seja precisamente o negócio milionário da travessia comercial de barcos, o que, manifestamente incomoda algumas pessoas, politicamente influentes.
Importa também considerar que, com uma ponte e a previsível redução drástica de barcos, reduzirá também drasticamente essa terrível agressão ambiental sobre a Ria Formosa e uma vez libertada a ria do tráfego intensivo de barcos e de toda a poluição dele resultante, será possível a requalificação da Ria de Cabanas para atividades de natureza como sejam a natação, a vela e o remo e desse modo promover junto da juventude práticas desportivas salutares.
Essa será porventura, uma feliz e bastante relevante consequência, que resultará da construção de uma ponte para a ilha de Cabanas e, uma vez livre dos cais de embarque e da pressão dos barcos, será possível recuperar a margem norte como a praia fluvial que sempre foi e, assim, possibilitar uma oferta turística diversificada e menos centrada na ilha.
A ponte pedonal contribuirá também para dinamizar a economia e a empregabilidade local e assim ajudar a combater a sazonalidade que em Cabanas é um problema de décadas.
VIII. Considerações Finais
É um facto conhecido que praticamente toda a economia de Cabanas se centra no turismo e é fundamentalmente pela ilha, que desde a década de 70 milhares de pessoas nos visitam. Assim surgiram todos os empreendimentos turísticos e surgiram todos os restaurantes e demais estabelecimentos comerciais. É pelo turismo centrado na procura da ilha, que os negócios subsistem e prosperaram, pelo que, o acesso público e permanente à ilha de Cabanas é a questão primordial do modo de vida da população de Cabanas de Tavira, sendo que, esta vila é o principal destino turístico do concelho de Tavira.
Em todo o nosso litoral se constroem acessibilidades para as praias, desde logo, porque as acessibilidades pedonais em áreas protegidas, funcionam simultaneamente como forma de regulação e condicionamento dos acessos e, desse modo, servem igualmente como proteção desses espaços naturais. Assim, consideramos que a acessibilidade permanente à ilha de Cabanas, não só nos permitirá fruir da sua beleza e do seu bem-estar, como possibilitará zelar e cuidar da nossa ilha, ao longo de todo o ano, preservando as suas características naturais e o seu delicado ecossistema.
Na prática, o condicionamento público da ilha, apenas dificulta o acesso aos residentes de Cabanas e desperdiça-se a oportunidade de oferta turística, nos longos meses do ano para lá do verão. Geralmente, turistas oriundos do norte da Europa, que privilegiam caminhadas por espaços naturais, muitos deles pessoas idosas com limitações de mobilidade e que, sem uma travessia pedonal, nunca terão oportunidade de conhecer a nossa maravilhosa ilha. Esse turismo – o turismo sénior -, poderá funcionar como uma forma de combater a sazonalidade da empregabilidade, que em Cabanas de Tavira, é um problema social conhecido e bastante vincado.
Às entidades públicas, compete criar condições dignas de acesso para os locais públicos e, em Cabanas, o acesso público à ilha é condicionado por fatores economicistas, limitativo para famílias de parcos recursos e impeditivo para pessoas de mobilidade reduzida, um problema que não pode continuar a ser ignorado.
Dadas as condições naturais de Cabanas, não se compreende que as entidades públicas persistam na rejeição da travessia pedonal – a todos os níveis a solução lógica – e, simultaneamente, patrocinem a travessia massiva por barcos e as dragagens regulares por forma a viabilizar essa mesma travessia, a qual constitui um visível, audível e odorífero atentado ambiental.
Não compreendemos que a Docapesca, promova o concurso de um modelo de travessia, com barcos maiores, sem que as entidades com responsabilidades superiores se pronunciem e sem que submetam esse modelo de travessia e as imprescindíveis dragagens, à avaliação de impacto ambiental. Por último, apelamos a que sejam realizados estudos comparativos entre o modelo de travessia por barcos e uma travessia pedonal.
Pelos motivos expostos, apelamos a um acesso pedonal para a Ilha de Cabanas de Tavira, com caracter de urgência.
Pelo Grupo de Cidadania “Por uma ponte pedonal para a Praia de Cabanas de Tavira”, representado por José António Leite Pinto