Ultimamente tenho lido vários textos e opiniões, por vezes exacerbadas, por quem não participou na guerra ou por quem participou, mas que só tem capacidade de visão e entendimento de um lado, sobre um militar altamente medalhado e falecido recentemente.
A minha opinião, tão válida como qualquer outra, foi forjada no contacto directo com indivíduos participantes em actos, por eles relatados, que em outras latitudes seriam considerados crimes de guerra.
A certa altura, da minha prestação do serviço militar na Guiné, fui incumbido de dar instrução a grupos de três ou quatro indivíduos de cada vez, inclusive em francês a um individuo, que estavam sob o comando do então sargento Marcelino, os quais me narraram acontecimentos, por eles levados a cabo, que me faziam arrepiar e pôr os pelos em pé. Muitos desses homens eram pessoas revoltadas por motivos diversos, que se juntaram ao exército português por se sentirem mais seguros, e convencidos pela PIDE, deixando para segundo plano a luta pela independência do seu povo. A recompensa eram os louvores, as medalhas e condecorações. Penso que ao nível do então sargento Marcelino, as condecorações e promoções mais significativas terão servido de contraponto às coisas que ele sabia e que poderiam acarretar embaraços diplomáticos ao governo português daquela época, política que o actual regime político continuou. Hoje é homenageado ferverosamente por aqueles que habitualmente só veem um lado do “filme” ou os que foram beneficiados ou salvos com as suas ações, aquilo que é mau para uns é bom para outros. A seguir ao 25 de Abril veio para Portugal, sim porque oficialmente era português, mas todos os seus homens, também legalmente portugueses, ficaram na Guiné e pagaram com a vida, o PAIGC não lhes perdoou as suas ações contra o seu próprio Povo.
Jamais chamarei herói nacional a um guerrilheiro destemido ao serviço de interesses ‘desconhecidos’ do antigo e do actual regime político.
Todos os homens e mulheres têm o direito de serem louvados e condecorados, mas em relação ao militar Marcelino penso que: Um grande comandante militar não renega o seu Povo! Um grande comandante militar não mata nem deixa matar mulheres, homens, crianças e velhos a sangue frio! Um grande comandante militar não foge e não abandona os seus homens à sua sorte! Um grande comandante militar não é condecorado pelo exército opositor ao seu Povo! Um grande comandante militar transforma-se, quase sempre, num grande líder político do seu Povo!
Decorridos quase cinquenta anos, os Povos das ex-colónias portuguesas em África ainda lutam contra a miséria, creio que é o resultado de um trabalho político que não foi feito por Portugal durante séculos e escamoteado nas negociações das independências, as guerras coloniais são a prova disso. As guerras civis que se seguiram foram o resultado do xadrez político internacional.
As medalhas e condecorações nem sempre têm o valor que simbolicamente representam.