O anúncio para a venda de 242.850 m2 (cerca de 24 hectares) da Ilha de Tavira, por 1,6 milhões de euros, está listado numa imobiliária associada à Christie’s. No entanto, há uma ressalva importante, conforme revela o Expresso: o terreno pertence à Teixeira Duarte e qualquer construção no local é proibida.
“Atualmente é proibida qualquer construção no local e quem adquirir o terreno pouco mais poderá fazer do que usufruir do amplo espaço para estender a toalha e deitar-se ao sol”, refere a mesma fonte.
O Expresso explica que nem sempre foi este o caso, “em 1966, o então Ministério das Finanças e Obras Públicas decretava a desafetação do Domínio Público Marítimo de 27,5 hectares da ilha. No decreto-lei explicava a decisão por ter ‘reconhecido as vantagens que poderão resultar da urbanização de uma parcela da ilha de Tavira’, com vista a ‘criar condições de habitabilidade e de turismo’. O terreno é entregue à Câmara de Tavira, que fica com a missão de o urbanizar ‘de harmonia com os planos aprovados'”.
Quatro anos depois, a autarquia decidiu vender, em hasta pública, 24 hectares do terreno (três hectares a menos do que o total desafetado), transferindo para o comprador a responsabilidade de executar os “planos aprovados”.
Os planos, de acordo com o Projeto de Urbanização da Ilha de Tavira elaborado pelo arquiteto Frederico George e citados pelo Expresso, previam: “construções urbanas, incluindo estabelecimentos hoteleiros, equipamentos recreativos, administrativos e comerciais, zonas verdes, arruamentos, parques de estacionamento, entre outros”, conforme estipulado no contrato de compra e venda.
A menção a arruamentos e parques de estacionamento pode parecer incomum, dado que atualmente só se pode chegar à ilha de barco. No entanto, o estudo previa a construção de uma ligação rodoviária, através de uma ponte, bem como uma rede viária para circulação de veículos, esgotos, distribuição de água potável e energia elétrica.
Além das infraestruturas mencionadas, o projeto previa ainda outras essenciais para o funcionamento do complexo turístico e a criação de 3000 a 3500 camas.
O terreno foi adquirido em 1970 por uma sociedade que passou a chamar-se ILTA (acrónimo de ‘ilha’ e ‘Tavira’). Iniciou-se então um moroso processo de licenciamento, que ainda estava em andamento quando ocorreu o 25 de Abril de 1974. Com a Revolução, a autarquia de Tavira, responsável pela construção das infraestruturas (água, luz, esgotos e arruamentos, incluindo a ponte rodoviária), foi aconselhada pelo Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo a “rever os compromissos existentes à luz da presente carência de recursos financeiros”. Assim, o processo de licenciamento, que já era lento, praticamente paralisou.
Macário Correia, que esteve envolvido no caso tanto como Secretário de Estado do Ambiente como Presidente da Câmara de Tavira, explicou ao Expresso que, “com o 25 de Abril, as políticas ambientais e de proteção da natureza, caiu tudo”. Recorda que, enquanto Secretário de Estado, foi contatado por um representante da ILTA, que afirmou precisar de construir as casas porque já as havia vendido e tinha o dinheiro dos clientes. Macário Correia respondeu que “o melhor era devolver o dinheiro”.
A ILTA avançou então com uma queixa contra a autarquia, a qual foi considerada improcedente pelo Supremo Tribunal Administrativo em abril de 2005. “O caso transitou em julgado, já não há qualquer hipótese de recurso”, confirmou ao Expresso Ana Paula Martins, atual presidente da Câmara de Tavira.
O terreno está agora integrado no Parque Natural da Ria Formosa, e a autarca duvida que o proprietário possa vedar a parcela. “A imobiliária admite que no terreno nada pode ser construído”, ressalta a autarca, contestando algumas informações no anúncio de venda. “É referido que parte do parque de campismo e algumas construções estão no terreno e eu entendo que não, o parque e as casas estão totalmente fora da parcela, estão nos três hectares de área desafetada que não foram vendidos.”
Sobre o momento e a forma como o terreno passou da ILTA para a Teixeira Duarte, Ana Paula Martins não tem certezas, mas menciona que a construtora “há uns anos, tentou vendê-lo à autarquia, o que foi recusado”.
O Expresso refere ainda que tentou contactar via e-mail a Teixeira Duarte sobre o caso, mas que não obteve resposta.
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