Pouco depois de ter tomado posse, em outubro de 2018, substituindo Adalberto Campos Fernandes no cargo, Marta Temido enfrentou uma greve dos enfermeiros que reivindicavam a valorização da carreira e que levou ao cancelamento de milhares de cirurgias programadas nos principais hospitais do país.
Na altura, Marta Temido classificou a greve como “cruel”, alegando que se virava “contra os mais fracos”, os utentes que viram adiadas as suas cirurgias que estavam programadas.
Poucos meses depois, em fevereiro de 2019, os enfermeiros voltaram a paralisar numa segunda “greve cirúrgica”, que, segundo o Governo, levou ao adiamento de mais de 1.600 cirurgias, incluindo algumas que estavam agendadas ao abrigo dos serviços mínimos.
Este braço-de-ferro levou mesmo o Governo a decretar, no início de fevereiro de 2019, a requisição civil na greve dos enfermeiros em blocos operatórios que estava em curso há várias semanas, alegando incumprimento dos serviços mínimos estabelecidos para as cirurgias.
Em relação à Ordem dos Enfermeiros, as relações institucionais chegaram a estar cortadas e Marta Temido acabou mesmo por pedir uma sindicância à Ordem, desencadeada pela Inspeção-geral das Atividades em Saúde.
No ano seguinte, em março de 2020, os primeiros casos de covid-19 foram confirmados em Portugal e, desde então, o Ministério da Saúde assumiu um protagonismo no combate à pandemia, que catapultou Marta Temido para um nível de notoriedade pouco comum em titulares desta pasta.
Repartindo essa notoriedade com a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, e com o coordenador da task force da vacinação, o militar Gouveia e Melo, Marta Temido enfrentou seis vagas pandémicas, que colocaram em evidência, segundo várias organizações do setor, as fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ao nível da falta de recursos humanos e de condições de trabalho.
Durante os primeiros dois anos da pandemia, que permitiram a Portugal ser um exemplo mundial nas taxas de vacinação contra a covid-19, as tensões com os representantes dos profissionais de saúde, que acusaram a ministra de falta de diálogo durante a pandemia, ficaram latentes, mas recentemente voltaram a entrar na ordem do dia.
Sindicatos e ordens profissionais do setor têm exigido ao ministério de Marta Temido medidas estruturais para reforçar o SNS, alegando que a falta de condições de trabalho e salariais tem levado a uma “sangria” de médicos e enfermeiros, que encontram no privado e na emigração a atratividade que falta nos hospitais e centros de saúde públicos.
Se, por um lado, Marta Temido passou um verão tranquilo em termos da covid-19, com os números a caírem consistentemente desde a sexta vaga, por outro, debateu-se com as dificuldades dos hospitais em organizarem escalas completas de especialistas, o que tem obrigado ao encerramento ou ao funcionamento condicionado dos serviços de urgência de obstetrícia e de blocos de partos.
A situação levou mesmo o Governo a criar a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos, coordenada pelo médico Diogo Ayres de Campos, mas as dificuldades têm se mantido em vários hospitais ao longo das últimas semanas.
Para responder às dificuldades que o SNS enfrenta, o Governo aprovou em 7 de julho o novo Estatuto do SNS, que, de acordo com Marta Temido, prevê mais organização e autonomia de funcionamento e maior motivação dos profissionais do setor.
Este novo estatuto, que está em fase de regulamentação e que vai substituir o atual em vigor desde 1993, permite ao Governo implementar as suas políticas para responder aos “problemas que os portugueses enfrentam no seu dia-a-dia, no contacto com o SNS”, sublinhou Marta Temido, mas as organizações do setor alegaram que as reformas não se fazem no papel.
Entre as novidades previstas no estatuto consta a criação de uma direção executiva para o SNS para coordenar toda a resposta assistencial do SNS, uma vez que o Governo reconhece que existe um défice de organização na prestação de serviços de saúde aos utentes.
Também recentemente sindicatos e Ordem dos Médicos contestaram a intenção do ministério, prevista no Orçamento do Estado, de contratação de clínicos sem especialidade para colmatar a falta de médicos de família, apesar de Marta Temido ter assegurado que esses médicos não contarão para os rácios de cobertura de medicina geral e familiar.
De acordo com a ministra, cerca de 1,4 milhões de pessoas não têm médico de família, um aumento que atribuiu, em parte, ao crescimento do número de inscritos no SNS nos últimos anos.
Marta Temido apresentou a demissão a meio de um processo negocial com os sindicatos, a poucos dias de se iniciar uma nova fase da vacinação contra a covid-19, numa altura em que o SNS está a recuperar as consultas, rastreios e cirurgias prejudicadas pela pandemia e com cerca de 1,3 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de investimento para reforçar várias áreas dos serviços públicos de saúde em Portugal.