Estação de Santa Apolónia, Lisboa, nove da manhã. Num de dois guichés abertos pedimos um bilhete para o Intercidades que vai partir dali a meia hora para o Porto-Campanhã.
Se fossemos com a operação até ao fim, em menos de um minuto tínhamos a passagem na mão, sem perguntas. “Não recebemos nenhuma informação interna para não vender bilhetes. Deslocar-se para fora da Área Metropolitana de Lisboa (AML), fica à consideração de cada um”, diz o funcionário da bilheteira.
Sair ou entrar na AML este fim de semana, está a ser igual a tantos outros, pelo menos de comboio e autocarro, como atesta o portista Pedro Viveiros, de 35 anos, que chegou a Santa Apolónia às dez horas, para visitar a namorada. “Vim só passar o fim de semana com ela, amanhã regresso ao Porto. Tive receio de ser impedido ou que não houvesse comboio, liguei para a CP, disseram-me que estava tudo normal… Já tinha comprado bilhete há duas semanas e pago a estadia no hotel, não ia perder o dinheiro, por isso vim à mesma”.
Vive-se uma manhã tranquila em Santa Apolónia, com pouco movimento, sem rasto de polícia ou rostos ansiosos.
Maria Ferreira de 21 anos e Rafael Granjeia, de 19, estudantes universitários, colegas de residência em Lisboa, esperam sentados num banco da estação, pela hora de partida para Aveiro. Como o regresso a casa está previsto nas exceções à proibição de circulação de e para a AML, não estão em incumprimento, mas admitem que nem pensaram nisso. “Em janeiro, quando estava tudo fechado, vim a Lisboa numa sexta-feira para fazer um exame e voltei para casa e nunca fui abordada por ninguém, nunca me perguntaram nada”, esclarece Maria. Critico em relação a esta medida do Governo para conter a pandemia Covid-19, Rafael diz não concordar com “este tipo de restrições” por serem “uma limitação das liberdades individuais” e aponta que “a prioridade deve ser testar e vacinar e não fazer uma cerca depois de um ano de isolamento”.
Junto ao Intercidades que o vai levar ao Porto está Rogério Oliveira, conselheiro das comunidades portuguesas pela Europa. Mostra a declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros e apronta-se em dizer que esteve em reuniões com o Governo e está agora de regresso a casa, no Luxemburgo. Assim que lhe perguntamos opinião sobre esta “cerca sanitária” à AML, responde de uma rajada que “o Governo luxemburguês não quer agradar a gregos e troianos, em Portugal não é assim e temos as consequências”. Quase sem se deter recorda que a tentativa de festejos da conquista do título de futebol pelo Sporting, pela comunidade portuguesa no Luxemburgo foi prontamente travada “com a polícia logo na rua, para mostrar que se não for a bem é à força. Não houve festejos nenhuns. Fossem do Sporting, do Benfica ou do FC Porto. Aqui não, é este vai e vem de, somos os melhores, somos os piores, olhe, somos nada. Estou farto. Tem de haver coragem do Governo e não querer agradar a ninguém”, conclui.
‘NO PASA NADA’
O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, considera “claramente inconstitucionais” as medidas sanitárias anunciadas pelo Governo para a AML, por não estar em vigor qualquer estado de emergência. O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, rebate essa posição argumentando que “os limites à circulação estão expressamente previstos na Lei de Bases da Proteção Civil como uma das medidas típicas da situação de calamidade” e que, “por diversas vezes”, durante a pandemia da Covid-19, “já houve limites à circulação entre concelhos fora da vigência do estado de emergência”.
Alheia a esta “guerra” Susana Matos está de mochila às costas com duas amigas, à espera do autocarro que as vai levar para o local de férias. “Estamos em trânsito, viemos de Évora e vamos para Valença”, diz com à vontade. “Ligamos para a Rede Expresso e asseguraram-nos que não íamos ter problemas nenhuns, senão tínhamos equacionado outro transporte, como viatura própria”, conta antes de sentar-se numa esplanada para tomar café.
A sair do autocarro depois de uma longa viagem com partida de Braga, Marco Gomes, motorista da rede Transdev, garantiu-nos ainda, antes de ir esticar as pernas, que transportou o mesmo número de pessoas do fim de semana anterior e que, no caminho, não viu nenhuma Operação Stop na A1.
A avaliar por esta manhã, passada entre Santa Apolónia e Gare do Oriente, a medida do Governo que visa impedir que os contágios se espalhem rapidamente para outras zonas do país fora da AML, que apresenta uma elevada incidência de casos por 100 mil habitantes, não foi bem acolhida.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso