Centenas de milhares de mortes foram já evitadas na União Europeia (UE) devido à vacinação anticovid-19, estima o Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), quando a variante Delta do SARS-CoV-2 representa 96% dos novos casos.
“No que toca ao impacto das vacinações na mortalidade, ainda não fizemos estudos específicos, mas […] durante a última vaga, entre dezembro e abril, houve uma mortalidade média de 50 a 100 mortes por milhão e agora, no pico da atual vaga que é substancial em termos de número de casos, a mortalidade é inferior a 10 por milhão”, indica o diretor do departamento de Vigilância do ECDC, Bruno Ciancio, em entrevista à agência Lusa.
O especialista acrescenta que “os cálculos aproximados indicam que, até agora, as vacinas conseguiram provavelmente evitar algumas centenas de milhares de mortes”.
Falando sobre a atual situação epidemiológica na região, Bruno Ciancio aponta que “tem havido um aumento [das infeções] em alguns países, mas isso não se reflete no número de mortes, como aconteceu noutras vagas anteriores, o que é efeito da vacina”.
Em termos concretos, a incidência média de infeções na UE está nos 200 casos por 100.000 habitantes, “que agora está estável, desde há três semanas”, após aumentos consecutivos, principalmente devido à dominância da variante Delta e à época turística, segundo o especialista. Ainda assim, “o que é agora muito diferente das vagas anteriores é que não assistimos a um aumento correspondente da mortalidade e de doenças graves”, sendo então resultante da campanha de inoculação, reforça.
Numa avaliação de risco divulgada em junho passado, o ECDC estimava que o número de casos de covid-19 iria aumentar acentuadamente no verão da UE, nomeadamente devido à mais transmissível variante Delta do SARS-CoV-2, que nas contas divulgadas na altura iria equivaler a 90% das novas infeções na Europa até final de agosto.
E é isso mesmo que agora se verifica, de acordo com Bruno Ciancio, que revela à Lusa que “a variante Delta equivale agora a mais de 96% de todas as amostras sequenciadas [de novas infeções] na Europa”, o que significa que “é praticamente a única em circulação” no espaço europeu. “A mutação Delta substituiu todas as outras, que já só circulam a um nível muito baixo e, provavelmente, desaparecerão”, acrescenta.
Devido à maior transmissibilidade da Delta, “esta situação [de incremento de casos] era esperada”, admite.
O que para Bruno Ciancio não é certo é como é que a pandemia vai evoluir na UE nos próximos meses, já que isso “depende muito do nível de cobertura vacinal nos vários países e é um problema global”.
Notando haver grandes discrepâncias na vacinação entre os países europeus, o responsável adianta à Lusa que “o principal desafio para a UE agora é enfrentar o problema das pessoas que hesitam em ser vacinadas”. Bruno Ciancio aconselha assim a esforços de comunicação para aumentar os números de população vacinada.
A ferramenta ‘online’ do ECDC para rastrear a vacinação na UE, que tem por base as notificações dos países (e por isso pode não estar totalmente atualizada) revela que a cobertura vacinal é mais baixa em países como a Bulgária (20% da população totalmente vacinada), Roménia (32%) e Letónia (47%) e mais elevada na Irlanda (87%), Dinamarca (84%) e Portugal (83%).
“ESTAMOS MUITO PERTO DE UMA SITUAÇÃO EM QUE PODEMOS REALMENTE ENFRENTAR ESTA PANDEMIA E DEVEMOS PERCORRER AGORA ESTE QUILÓMETRO EXTRA AGORA”
Apesar de já 70% da população adulta da UE estar vacinada com duas doses de vacina contra a covid-19, num total de mais de 250 milhões de pessoas totalmente vacinadas, Bruno Ciancio considera que ainda não é momento de baixar a guarda.
“Sabemos que estas medidas são muito, muito eficazes”, pelo que “não há realmente nenhuma razão para suavizar este tipo de medidas neste momento”, indica o especialista. “Se retirarmos agora as medidas, haverá um aumento dos casos e, em última análise, estes casos não serão apenas entre pessoas mais jovens, envolverão também pessoas mais velhas, pessoas que foram vacinadas”, alerta.
“Quando virmos que basicamente não há impacto ou há um impacto muito limitado do vírus [SARS-CoV-2] em termos de mortalidade e de internamentos, então aí várias medidas poderão ser suavizadas, mas ainda não é esse o caso”, assinala o responsável.
Uma hipótese afastada por Bruno Ciancio é a de os países da UE terem de recorrer a novos confinamentos. Também rejeitada é a possibilidade de encerrar estabelecimentos escolares: “Há consenso agora que é muito mais prejudicial fechar as escolas do que mantê-las abertas, por isso penso que é muito importante que as escolas estejam a funcionar e que as crianças possam ter a sua rotina, a sua educação e o seu desenvolvimento”. Até porque “as medidas que estão em vigor nas escolas são eficazes”, refere o especialista, numa altura de regresso às escolas.
“NÃO HÁ UM ALVO [DE VACINAÇÃO] ESPECÍFICO, MAS PRECISAMOS REALMENTE DE VACINAR A MAIORIA DAS PESSOAS, PRINCIPALMENTE DE GRUPOS ESPECÍFICOS”
Na terça-feira, a Comissão Europeia anunciou que a UE atingiu um “marco importante” de 70% da população adulta totalmente vacinada contra a covid-19, vincando porém ser necessário “ir além” desta meta devido às novas variantes, como a Delta.
Bruno Ciancio, assinala que este era um “objetivo programático” estipulado por Bruxelas, sendo que “o objetivo de saúde pública é vacinar a grande maioria, senão todos os que estão em risco de contrair doenças graves e de morrer”.
“Sabemos que, por exemplo, as pessoas a partir dos 45 e 50 anos de idade correm mais risco de contrair doença grave e de mortalidade em comparação com os grupos etários mais jovens e, portanto, precisamos de ser capazes de alcançar uma cobertura de vacinação muito elevada nestes grupos, acima dos 85% e dos 90%”, precisa o especialista.
Para o responsável, até a UE chegar a tal cobertura vacinal dos adultos mais velhos “há realmente um grande risco ao deixar o vírus circular”, dado o surgimento de novas estirpes cada vez mais contagiosas.
Para o ECDC, o objetivo é então que a UE “possa ter uma cobertura vacinal tão elevada que, mesmo que existam outras mutações endémicas, não haja grandes impactos na mortalidade”, de acordo Bruno Ciancio. “E penso que podemos alcançar isto antes do final do ano”, antevê o especialista, notando que, se houvesse um aumento da cobertura vacinal, seria possível “controlar a pandemia pelo menos dentro da UE”.
Questionado sobre a vacinação dos menores de 12 anos, o responsável considera que a prioridade deve ser “assegurar que a população adulta seja vacinada” e “só depois de isto ser alcançado é que devemos considerar a vacinação de grupos etários mais jovens”.
“PORTUGAL ESTÁ A FAZER UM TRABALHO MUITO BOM EM TERMOS DE VACINAÇÃO E ESTÁ ENTRE OS PAÍSES EUROPEUS COM A MAIOR COBERTURA VACINAL DA POPULAÇÃO”
Numa altura em que mais de 7,5 milhões de portugueses já têm a vacinação completa contra a covid-19, o especialista assinala que, apesar do recente “aumento bastante significativo do número de casos que houve durante o verão, a mortalidade permaneceu estável” no país.
Seguindo a tendência verificada por toda a UE nos últimos meses, Portugal registou também “um ligeiro aumento dos internamentos e entradas nos cuidados intensivos porque ainda há partes da população que não estão completamente vacinadas”, retrata Bruno Ciancio.
Contudo, “em comparação com outros países, eu diria que a sua vulnerabilidade é menor”, salienta o responsável. “Penso que é isso que precisamos de conseguir em todos os países europeus”, defende Bruno Ciancio nesta entrevista à Lusa, aludindo às diferenças acentuadas na cobertura vacinal entre os países da UE.
Vincando existir uma relação entre a vacinação e a redução da doença grave, o especialista admite que “os países que mais preocupam [o ECDC] em termos de impacto absoluto são também países onde a cobertura vacinal não é tão elevada”. “Estamos a falar da Bulgária, Estónia, França, Grécia, Lituânia, países que, por várias razões, não têm uma taxa de vacinação muito elevada”, precisa Bruno Ciancio.
Ainda assim, um pouco por toda a Europa, o número de infeções tem vindo a subir nos últimos meses, o que o especialista atribui ao “comportamento diferente das pessoas” em situações como turismo e à propagação da variante Delta.