A pandemia do novo coronavírus surgiu em março de 2020 em Portugal. A seguir a ela, confinamento foi a palavra de ordem e durante cerca de dois meses estivemos fechados em casa. O comércio não essencial foi encerrado e começou também a falar-se em crise. O primeiro confinamento trouxe a debate público a importância da saúde mental e as consequências que o tempo de incertezas que estávamos a atravessar teriam na vida das pessoas. Passado quase um ano de pandemia, como está a saúde mental dos portugueses?
A quarentena foi um momento de enorme medo para a maioria da população, uma vez que uma doença ainda desconhecida estava a propagar-se em Portugal e isso iria colocar em causa a liberdade de todos (que estava garantida até então), os postos de trabalho, o contacto com amigos e família, entre tantas outras coisas. O POSTAL questionou Diogo Fernandes, psicólogo na ASMAL (Associação de Saúde Mental do Algarve), que trabalha no Centro de Reabilitação, sobre as consequências do primeiro confinamento na população e a verdade é que “a ansiedade e o medo de ficar contagiado foram as primeiras emoções sentidas. Acrescenta-se ainda “o receio das outras pessoas não cumprirem as normas”.
A fase de reabertura da economia e desconfinamento trouxe para Portugal uma nova esperança, que começou com o verão e permitiu aos portugueses ficarem mais confiantes. Contudo, a pandemia abrandou, mas não desapareceu. As máscaras, a higienização e tantas outras medidas foram sempre existindo. “Todos nós tivemos uma quebra das expectativas [nessa altura], mas as pessoas que não têm problemas do foro psicológico têm alguma capacidade de se manterem mais calmas”. Para pacientes com alguma patologia, esta poderá ter-se agravado, “porque eles sofrem sempre mais”. Deve-se, portanto, ajustar a expectativa e não criar visões pouco realistas, conclui o profissional.
A questão que aqui surge é sobre o novo confinamento. Como vão os portugueses encarar este “retrocesso” à fase das incertezas? Diogo Fernandes fala da personalidade de cada um como fator essencial para perceber as reações. Para além disso, a experiência que os portugueses viveram a posteriori, com o confinamento de março, poderá dar mais segurança a alguns e menos a outros. Por exemplo, uma pessoa cumpridora das regras que ficou infetada poderá agora colocar em causa a validade deste conjunto de normas para o novo confinamento. Já outras pessoas vão encarar esta fase mais delicada de forma mais séria e consciencializada, uma vez que já se conhece melhor a doença e os casos estão agora a rondar os 10 mil.
Portugueses em quarentena ou recuperados da covid-19 com depressão moderada
Dados recentes mostram que sete em dez portugueses que estiveram em quarentena ou já recuperados da covid-19 acusaram sofrimento psicológico e mais de metade apontou sintomas de depressão moderada a grave, revela um estudo do Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA). Já as pessoas infetadas, entre 22 de maio e 14 de agosto, 92% relataram sintomas de ansiedade moderada a grave e 43% sintomas de perturbação de stress pós-traumático. O psicólogo fala de alguma desconfiança das pessoas após passarem por experiências de quarentena ou infeção, uma vez que existe algum receio de que volte a acontecer depois.
Profissionais de saúde que estão em contacto com doentes infetados em ‘burnout’
O estudo do INSA revela ainda que no grupo dos profissionais de saúde, os mais afetados por “burnout” são os que estiveram em contacto regular com doentes (33%), os que estavam a tratar doentes com covid-19 (43%) e os que tiveram um aumento do horário de trabalho (39%). Existe também um medo de não se regressar à vida que havia antes da pandemia, revelam 76% das respostas.
Aumenta venda de antidepressivos
Segundo dados do Infarmed, nos primeiros oito meses de 2020, foram vendidas mais de 6,5 milhões de embalagens de antidepressivos, mais 5% do que em 2019. Pode assim concluir-se que a pandemia covid-19 provocou, a nível global, alterações profundas nos estilos de vida, com potencial impacto na saúde mental e no bem-estar das populações.
A viver mais um confinamento, é essencial preparar os profissionais de saúde e a população para a nova luta que enfrentaremos agora. A saúde mental será, sem dúvida, um dos efeitos desta pandemia no mundo.
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