A abstenção eleitoral pode ser entendida como a não participação no processo eleitoral no qual um cidadão em plenos direitos decide não participar. Trata-se de uma decisão (consciente) de um comportamento de não voto.
Ainda que possamos acreditar que a abstenção eleitoral é um comportamento de indecisão, esta é na verdade uma decisão de firmar uma posição. Decide não votar.
Desde a década de 40 que já muito se estudou sobre o comportamento de voto. Contudo, ao nível da ciência política, comportamento eleitoral e psicologia social a abstenção eleitoral é um dos elementos menos estudados nestas áreas.
Nos últimos anos a taxa de abstenção tem incrementado bastante em todos os sistemas democráticos modernos. A magnitude deste fenómeno social varia de país para país, porém, evidente e notável, é o seu crescimento em inúmeros países.
Em Portugal, de acordo com os dados disponíveis na base de estatísticas certificadas sobre Portugal – PORDATA – verifica-se que nas eleições para a Assembleia da República a taxa de abstenção passou de 8,5% em 1975 para 48,6% em 2022, um aumento de 40,1 pontos percentuais em 47 anos de democracia.
Outros dados disponíveis mostram-nos que no Reino Unido em 2005 apenas 37% dos jovens inscritos foram às urnas manifestar o seu direito de voto.
Se assumirmos que a estabilidade política dos sistemas democráticos assenta em grande medida num equilíbrio entre os cidadãos ativos e a massa de cidadãos indiferentes para com o sufrágio, estamos muito próximos de um desequilíbrio nesta balança.
A literatura disponível é consistente quanto a uma característica de perfil dos sujeitos que menos votam: a idade
Sujeitos mais velhos têm taxas de participação nas urnas mais elevadas, por oposição verifica-se maiores taxas de abstenção eleitoral junto dos jovens.
Atendendo à problemática e importância do tema, sobre a orientação do Prof. Doutor Jean Christophe-Giger (Universidade do Algarve) já iniciámos alguns trabalhos de investigação para compreender as razões que levam os jovens universitários a praticar o comportamento de voto ou de não voto.
Os nossos resultados preliminares, constituídos por uma amostra de mais de 600 participantes, revelam que os jovens universitários manifestam sentimentos de descontentamento e de protesto quando inquiridos a falar sobre abstenção eleitoral.
Nesta fase de desenvolvimento dos trabalhos, os resultados levam-nos a acreditar que por experiências passadas menos gratificantes – promessas eleitorais não cumpridas e a perceção de falta de representatividade das suas questões e anseios – os jovens manifestam-se afastados (deliberadamente) do processo eleitoral.
Num segundo nível de análise, verificamos também questões associadas à inacessibilidade e indisponibilidade para ir às urnas.
“Dificuldade em aceder às mesas de voto”; “Ausência da área de voto”; “Falta de disponibilidade para ir às urnas” foram algumas das expressões que vimos firmadas pelos jovens universitários nos nossos resultados.
Devemos olhar para estes dados com o máximo de atenção e refletir sobre os mesmos. Efetivamente aquando da sua formação no ensino superior muitos dos jovens universitários encontram-se afastados da sua área de residência/secção de voto. Tal, poderá estar a comprometer a participação política destes e a sua maior mobilização às urnas.
Ainda que os estudantes possam pedir voto antecipado ou mudar a sua morada fiscal, este ónus tem de ser minimizado.
É fundamental garantir a acessibilidade e a eficiência do processo eleitoral, eliminando barreias físicas e burocráticas que possam desmotivar a participação popular.
Talvez facultar transporte gratuito a todos os estudantes (num primeiro teste piloto) poderia ser uma forma de levar estes atores a votar.
Somos ainda a destacar a ideia com que nos deparamos: E se os eleitores não sabem como votar? Quais os passos mínimos que eu tenho de executar para poder exercer o direito de voto?
Ainda que numa rápida análise pareça esquisito, pense o eleitor nesta ideia: eu posso ser a favor do uso do preservativo e não saber como usar o preservativo, pois nunca aprendi ou utilizei uma única vez.
E para os eleitores que nunca votaram (ou chega o momento de votar pela primeira vez, como é o caso da maioria dos estudantes universitários) esta questão pode merecer um olhar bem mais cuidado.
Ao consultarmos as tendências de pesquisa no motor de busca Google para a expressão “como (?)”, para o ano 2022 ano de eleições, verificamos que a quarta entrada mais pesquisada foi: “como se vota em Portugal”.
Importa ainda salientar que os impactos da abstenção eleitoral são significativos. A representatividade é fundamental para garantir que os jovens se sintam ouvidos e parte ativa do processo político.
A redução na participação eleitoral enfraquece a legitimidade do sistema político, abrindo espaço para o questionamento sobre a representatividade das instituições. Contudo, é de ressalvar que a abstenção eleitoral entre os jovens não é uma tendência irreversível. Existem exemplos de mobilização e identificação política entre os jovens universitários.
Movimentos contra as alterações climáticas e defesa do ambiente parecem ser temas que interessam conscientemente a esta população e que se mobiliza através de algumas organizações na sociedade civil para ter voz e promover algumas ações.
Em suma, a abstenção eleitoral nos jovens representa um desafio significativo para a democracia. A participação eleitoral dos jovens é fundamental para garantir a sua representatividade e envolvimento ativo na construção social.
Poderá acompanhar as investigações que estamos a desenvolver no âmbito da abstenção eleitoral, bem como contribuir com a sua opinião, através do site que criámos para o efeito: abstencao.pt.
Nota biográfica: Nuno Almeida, psicólogo especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, é também Docente Assistente Convidado na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. Algarvio e doutorando em Psicologia, interessa-se pelos domínios da intervenção social, comunicação e ciência política.