“A melhor solução é termos maioria absoluta, sim, é a que garante estabilidade durante quatro anos”, assumiu o líder socialista, logo no início do debate entre os partidos com assento parlamentar, que decorreu esta segunda-feira, na RTP. Costa repetiu a expressão “absoluta” que tanto tempo evitou, mas que já tinha usado no frente-a-frente com Rui Rio. Disse que está disponível para “dialogar com todos os partidos” mas também deixou o aviso: “Vamos andar de crise em crise, de dois em dois anos…”
Á esquerda, ouviu recusas. Catarina Martins disse que não vão discutir o mesmo Orçamento do Estado para 2022 a seguir às eleições e garante que, na rua, o que lhe pedem é “entendam-se”
Do lado comunista, João Oliveira acrescentou que a CDU está disponível para “convergir com todos os que quiserem convergir”, mas não parece acreditar na vontade de convergência do PS.
Inês Sousa Real, a líder do partido que não quer ser de esquerda nem de direita, garantiu que só não vai viabilizar “retrocessos civilizacionais”. E Rui Tavares, do Livre, defendeu um “entendimento o mais amplo possível” numa “eco-geringonça” que é “qualquer geringonça onde o Livre esteja presente”.
À direita, os partidos não se mostraram satisfeitos com as disponibilidades de Costa para o diálogo por considerarem que não sabem o que será o PS se o atual líder sair caso perca as eleições. Francisco Rodrigues dos Santos até sugeriu que o primeiro-ministro devia levar Pedro Nuno Santos para estes debates. “O PS e António Costa não estão a dizer para que querem os votos dos portugueses”, atacou, por seu lado, Cotrim Figueiredo, lembrando que Costa foi o coordenador de uma moção de José Sócrates cuja palavra-chave também era estabilidade.
Já o líder do CDS foi responsável por dois momentos de clarificação no debate entre os nove partidos com assento parlamentar. Um foi ao dizer que se houver uma maioria de direita se deve fazer como em 2015. Outro foi quando Francisco Rodrigues dos Santos quase a terminar, disse que um voto no CDS é um voto contra o PAN. “Não há um único possível entendimento com um partido animalista radical”, disse Francisco Rodrigues dos Santos, proclamando o CDS como o único partido que não quer o PAN.
O PAN, por seu lado, terá sido o partido que menos atacou. É o mais disponível para entendimentos. Assim mostrou nos debates a dois, assim também manifestou neste debate em que disse que o seu partido quer construir ponte. O PAN pode ter dificuldade em repetir os quatro deputados eleitos em 2019, mas que pode ter um lugar decisivo a 31 de janeiro.
Divergências na saúde e uma ajuda de Catarina
A governabilidade e a política de alianças percorreu as quase duas horas de debate, em que a política de saúde foi a mais discutida, com esquerda e direita a mostrarem o que as distancia.
António Costa insistiu na ideia que já tinha usado no debate com Rio de que “o PSD deseja que a classe médica pague os serviços no SNS” e expôs o que considera serem “as ambiguidades” de Rui Rio que lhe permitem aproximações aos outros partidos de direita. O presidente do PSD levava as duas páginas sobre saúde no programa eleitoral para recusar essa ideia. O que o seu partido diz é que o dinheiro que está no SNS “é muito e muito mal gerido”, pelo que é preciso uma “atitude de mais rigor e menos facilitismo”.
A direita juntou-se no ataque. Ventura desfiou o meio milhões de cirurgias e os dois milhões de consultas em atraso. Rodrigues dos Santos inventou o “sr. Manel” que “espera há anos por uma consulta de oncologia”. Cotrim Figueiredo defendeu os sistemas mistos como o holandês que o chefe de gabinete do primeiro-ministro também terá elogiado numa conferência do Health Cluster.
E foi aí que António Costa teve uma pequena ajuda da sua esquerda, com Catarina Martins a interromper porque não estava a perceber nada do que a direita estava a dizer e a argumentar que o sistema holandês é mais caro e menos eficiente do que o português. Também atacou a proposta do PSD de atribuir “médicos assistentes” do setor privado a quem não tenha médico de família. “Três dias de médico assistente no privado custa um mês de médico de família”, afirmou Catarina Martins, ainda assim, deixou um alerta sobre PS porque, com maioria absoluta, vai “deixar os problemas dos serviços públicos agudizarem-se”.
A frase de Marcelo que Costa ‘roubou’
Foi um debate com todos, em que António Costa se queixou de “levar pancada de todo o lado” e a direita não deixou justificar as ultrapassagens de Portugal pelos países de Leste com a História. “O grande investimento que temos de fazer é na formação”, afirmou o primeiro-ministro, segundo o qual os países de Leste que entraram mais tarde na União Europeia e ultrapassaram Portugal nos últimos dez anos, conseguiram essa ultrapassagem porque historicamente começaram a apostar na formação muito mais cedo.
“A História não explica o nosso atraso económico”, contrapôs André Ventura, que, como habitualmente, tentou levar ao debate “o uso abusivo de apoios sociais” e a necessidade de aumentar as penas no combate à corrupção. O líder do Chega criticou os cerca de 300 milhões gastos em estudos e em observatórios, nomeando apenas o Observatório contra o Racismo.
Em matéria de política económica também ficaram claras as diferenças: à direita privilegia-se a criação de riqueza, à esquerda o aumento de salários. PAN e Livre tentam compatibilizar ambas, defendendo descidas tanto de IRS como de IRC. É preciso apostar numa “economia verde, mas também de bem-estar e felicidade”, desejou Inês Sousa Real.
Com os temas a cruzarem-se e a entrecruzarem-se ainda houve tempo para Cotrim Figueiredo voltar a agitar a bandeira da TAP que diz custar 1200 euros a cada português. Foi já na fase de declarações finais. Uma ponta final que António Costa aproveitou para recuperar uma frase do Presidente da República, proferida no discurso de Ano Novo e que foi logo apropriada pelo primeiro-ministro: “O que precisamos é de estabilidade para virar a página desta pandemia.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL