A saída de Jerónimo de Sousa tem sido comentada ciclicamente, dentro e fora do PCP, nos últimos anos. O próprio o fez por diversas vezes, dizendo que seria a “lei da vida”, embora sempre acompanhado com frases do género: “Tenho-me aguentado bem”.
A última vez que falou com assunto foi em entrevista à Lusa, em 22 de outubro, ao garantir que não iria esperar por qualquer reparo crítico relativamente à idade para deixar o cargo, porque está ciente de que “a lei da vida não perdoa”.
“Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, afirmou em entrevista à agência Lusa a propósito da conferência que em novembro vai reenquadrar os objetivos do partido para o futuro e escolher o novo secretário-geral, hoje anunciado – Paulo Raimundo.
Aos 75 anos, Jerónimo de Sousa passou os últimos 18 anos à frente dos comunistas (só superado pelos 31 do líder histórico Álvaro Cunhal), viu vitórias e derrotas nas eleições e protagonizou um feito único na história do partido em Portugal – um acordo à esquerda, com PS, BE e PEV, que permitiu afastar a direita (PSD/CDS) do governo e apoiar, com base em “posições conjuntas”, um governo minoritário liderado pelo socialista António Costa.
Nesta história, coube a Jerónimo uma declaração-chave da noite eleitoral de 6 de outubro de 2015, quando PSD e CDS ganharam as eleições, mas a esquerda ficou em maioria no parlamento, ao dizer: “Com este quadro, o PS tem condições para formar Governo, mas têm de perguntar ao PS.”
Seguiu-se um mês de negociações com António Costa para estabelecer a inédita e histórica posição bilateral conjunta, à semelhança de BE e “Os Verdes”, a denominada “geringonça”, a que os comunistas chamavam a “nova fase da vida política nacional”. Durou quatro anos (uma legislatura inteira), em que o PCP viabilizou quatro orçamentos do estado.
Se ajudou a construir a “geringonça”, Jerónimo e os comunistas contribuíram também para o seu fim definitivo. Há um ano, ajudaram a “chumbar” o Orçamento do novo governo minoritário do PS, saído das legislativas de 2019, que levou à antecipação de eleições em janeiro deste ano. O PS e Costa conseguiram uma maioria absoluta e a Coligação Democrática Unitária (CDU), liderada pelo PCP, caiu para o seu pior resultado.
Mas nestes anos de liderança, somou êxitos (ser o terceiro partido mais votado nas eleições gerais de 2005), também registou fracassos – o último dos quais a redução de 12 para seis o número de deputados à Assembleia da República.
Nas autárquicas de 2017 e 2021, a coligação continuou a perder votos e câmaras municipais, incluindo a emblemática Almada (Setúbal), para o PS. Nas europeias, de novo “um recuo”, como se lhe referem os comunistas: 6,8% com João Ferreira. Nas presidenciais de 2021, o ex-eurodeputado, apontado como potencial sucessor, obteve 4,3%.
As legislativas de 2019, em que a CDU caiu de 17 para 12 deputados, com menos dois pontos percentuais do que em 2015, passaram à história a “nova fase da vida política nacional”, como os comunistas chamam ao período da “geringonça”.
O PS não quis acordo, apesar da maioria de esquerda no parlamento, mas o PCP e Jerónimo foram pondo distâncias aos socialistas.
A pandemia de covid-19, declarada em março, abriu uma crise sanitária e “fechou” o país por várias semanas e, depois de dois meses de tréguas políticas, da direita à esquerda, a crise social e económica voltou a abrir divergências entre os dois ex-parceiros com o voto contra da bancada do PCP no Orçamento Suplementar, viabilizado pela abstenção do PSD.
Antigo afinador de máquinas numa empresa metalúrgica e dirigente sindical, Jerónimo Carvalho de Sousa, nasceu em 13 de abril de 1947, criado pela mãe biológica, Olímpia Jorge Carvalho, e seu marido António de Sousa. Sempre viveu em Pirescôxe, Santa Iria de Azóia, Loures.
Batizado pela Igreja Católica e com o quarto ano do antigo curso industrial, ao mesmo tempo que trabalhava (desde os 14 anos de idade), após ser um dos mais assíduos às passagens da carrinha-biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, Jerónimo casou-se aos 19 anos com Ovídia e é pai de duas filhas, Marília e Lina.
O líder comunista ajudou a fundar e dirigir Associação Cultural e Desportiva local em Pirescôxe e ainda hoje exerce o seu direito de voto, no Grupo Desportivo da terra, aproveitando para jogar às cartas e conviver com velhos amigos dos tempos de teatro e dança na coletividade 1.º de Agosto de Santa Iria.
Entre 1969 e 1971, o ainda secretário-geral do PCP, benfiquista e fã dos The Beatles, cumpriu o serviço militar, com uma incursão ao cenário da guerra colonial na Guiné-Bissau.
Logo em 1975, um ano depois de ter aderido ao PCP, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e continua, hoje em dia, como deputado na Assembleia da República. Dos primeiros tempos em São Bento, recorda como dava uma visão “do mundo do trabalho” a quem escrevia a Constituição.
Jerónimo foi eleito para o Comité Central do PCP no IX Congresso Nacional (1979) e integrou a Comissão Política comunista desde o XIV Congresso (1992).
Candidato à Presidência da República em 1996 e 2006, foi eleito líder comunista no XVII Congresso Nacional (2004), em Almada, sucedendo a Carlos Carvalhas, o escolhido para substituir o histórico Álvaro Cunhal, em 1992.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL, com Lusa